sábado, agosto 8

Sobre apegos...posso ficar com o crachá?

É o último dia de trabalho dela na empresa e ainda não é possível definir qual o sentimento dominante em seu coração. Por um lado ela está super animada com a aposentadoria próxima, pois afinal ainda é jovem, fez um monte de planos de vida, de viagens, de loucuras e maravilhas, planos que só se consegue fazer confinada em um escritório por anos a fio, sem hora para comer nem para sair, muito menos para fazer uma ligação para a melhor amiga para validar seus sonhos concebidos entre a preparação de um evento para "ontem" e uma interminável prestação de contas de viagem que o chefe fez há seis meses e todos os recibos e tickets já estão perdendo a tinta de impressão.
Neste momento, uma nuvem descomunal de incertezas e nostalgia cobre o ambiente, cobre a mesa de trabalho, os bibelôs e mimos que ela colecionou e defendeu como relíquias sagradas por todos os longos anos.
- Como assim tudo vai mudar amanhã? Ela fez planos, mas o tempo trapaceou e passou rápido demais. E agora, companheira chave da gaveta, esse é o momento em que vocês se separam. Você segue com sua tarefa, guardando os pertences da futura ocupante desta mesa, e ela vai viver nova vida, buscando outra rotina em que caiba e também caiba nela e novas importâncias para trancar em outra gaveta. 
É chegada a hora das despedidas e todos distribuem aquele abraço saudoso, apertado, melancólico, quase um luto. Muitas promessas de: Vamos te chamar para a festa do final do ano - festa essa que ela organizou por muitos anos, e, diga-se de passagem, ninguém jamais organizará como ela. Falsa modéstia não! Ela sempre se sentiu muito confortável com reconhecimento...e com bônus, ah os bônus.
Enfim, todos do andar fazem o ritual de despedida, inclusive o chefe. Ela está levando presentes, cartõezinhos, alguns dos mimos da mesa, um pouco de saudade, muito medo do futuro e... o seu crachá. Não é hábito que deixem ex-funcionários levarem o crachá, mas ela pediu com um olhar tão irresistível, que afinal conseguiu seu cobiçado troféu. Ela é honesta, correta, mas sabe em seu íntimo que, se não tivessem permitido, ela o teria levado assim mesmo. Há coisas na vida difíceis de abrir mão. 
Cada um sabe o que ilustra e preenche a sua vida. E ela ainda tem o seu crachá. E todos os dias ela o carrega em sua bolsa, seu amuletinho da sorte. Alguém para condenar?

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