segunda-feira, março 27

Ninguém acorda apaixonado todos os dias

Para os dias “não”, a alternativa é pedir espaço. Não há cobrança que funcione, nem truque ou maquiagem. Tem aquele dia que nada impressiona e tudo o que a gente não quer é cobrança.
Todo mundo sofre de enjoos passageiros, de gente, de cheiro, de carinho, de carência.
Enjoo que vem e vai, normal. Naquele dia em que nem a voz está soando bem, melhor segurar a onda e esperar passar. Porque passa. Se deixar passar, passa. Se cobrar, desesperar, entrar em pânico, cria-se justificativa para não passar.
Ninguém acorda apaixonado todos os dias. Há o dia seco, aquele dia que começa com um ponto de interrogação e passa inteiro entre reticências. O dia das catarses, das perguntas, das incertezas. O dia que desestabiliza quem compartilha a rotina, mas que também coloca um tijolo a mais na construção de um sentimento maduro. É preciso passar serenamente por esses dias, porque eles sempre virão.
A dúvida é parte de todos. Basta haver uma certeza para aparecer uma dúvida de igual força. Nada é.
Tem gente que esconde bem seus dias não apaixonados. Tem quem demonstre amor em dobro, por culpa, medo ou remorso. Mas tem quem sirva a questão na mesa e queira a participação conjunta. Tem quem logo acredite ser para sempre. E tem quem espere pacientemente o próximo suspiro.
Quem assiste, sofre. Quem acordou apaixonado, se ressente. Mas é preciso respeitar a vez de cada um. Eu costumo dizer que gosto da verdade, mas inúmeras vezes não soube o que fazer com ela.
Quem me dera houvesse esperado um pouco mais para cavucar, interpretar e concluir as verdades que tanto persegui. Por vezes, foram somente os dias “não”. E ninguém acreditaria no tamanho e profundidade da história que consegui criar, depois que arranquei a verdade daquele dia. Perdi as contas das vezes que fui ao purgatório e voltei, magoada e envergonhada.
Conviver é um exercício não repetitivo e inconstante. É preciso praticar, mas as novidades irão aparecer e nos cobrar adaptação. Um dia mais frio pode ser só um, um inverno inteiro, ou uma dica para se buscar lugares mais quentes e confortáveis.
Não há garantias. Só funciona enquanto for bom para as partes. Ninguém acordará apaixonado todos os dias e a regra vale para todo mundo!

domingo, março 26

Quando arrepender-se é a melhor alternativa

Arrependimento não é necessariamente ruim. É uma sensação que não desce bem, mas, ao mesmo tempo, uma prova inegável de aprendizado. Quem se arrepende, pensou melhor, aprendeu, ponderou, viu ou ouviu alguma razão.
A vida está aí para isso. Para irmos para frente, e voltarmos se for melhor. Um passo atrás para evitar queda maior. Arrepender-se é tomar para si a responsabilidade de algo que não bateu tão bem assim, voltar atrás e escolher outro caminho.
E, por mais que a culpa espreite os arrependidos, não há muito espaço para ela quando se trata de mudança de atitude. O direito de mudar de opinião, caminho, certeza, promessa, o que seja, é para qualquer um de nós.
Vamos desapontar e aborrecer muita gente, mas não há justificativa no mundo que nos obrigue a viver desapontados e aborrecidos somente por não poder bancar um arrependimento.
Haverá prejuízos? Sim. Rompimentos? Também. Descrédito? Certamente.
Mas nada será tão libertador quanto o poder de escolher. E na vida, quando escolhemos errado, – e fazemos isso milhares de vezes – precisamos de uma alternativa para voltar aos sonhos e esperanças, mesmo que seja em forma de arrependimento.
Que nunca seja uma desculpa para cometer insanidades. Que não seja instrumento para magoar nem desiludir. Que jamais seja garantia de isenção de responsabilidade.
Mas que seja uma alternativa, sempre que uma decisão tomada esteja fazendo sofrer, amargando a vida, criando feridas.
Pessoa de palavra não é a que jamais volta atrás. Palavra boa é a que sai com verdade, com coragem, respeito e consistência, apesar de todas as consequências.
Vamos lutando para que os arrependimentos seja menores do que as boas escolhas, mas com consciência de que os erros são excelentes e contundentes professores.
Arrepender-se é uma opção. Fica a dica.

sábado, março 25

Quem me vê sorrir, pode jurar que eu nunca chorei

Me alegro com coisas ridículas, sofro por outras ainda mais. Essa é a mágica das transformações e a prova de que a eternidade só vale para o tempo e não para as fases que a vida traz e nos apresenta, quase sempre de sopetão.
Não há mal que sempre dure e bem que nunca se acabe, diz um ditado conhecido. A dor permeia a vida tentando nos enganar, prometendo estadia longa, mas é uma mentirosa, quer permanecer, mesmo sem convite.
A atitude positiva é capaz de mudar o rumo da vida. Onde é sorriso, a dor se intimida. É uma briga feia, mas necessária. O sofrimento fala alto, é impositivo, espaçoso, grudento. Mas, o otimismo é contagiante, simpático, companheiro.
Um lamento atrai outro, maior. Um sorriso atrai outro, maior.
Pode-se passar um bom tempo mergulhado no drama, mas não pode fazer-se de rogado ao convite de uma risada.
A ideia em si é dar cada vez mais espaço aos sorrisos e às atitudes positivas. A responsabilidade aumenta a cada reação que somos capazes de provocar. E uma gargalhada junto é mil vezes melhor do que um suspiro dolorido.
Quem me vê sorrir, acha minha vida boa. E ela é. Normal, com muitas dores superadas, algumas nem tanto, outras que ainda nem mexo e muitas risadas que solto para comemorar.
Quem me vê sorrir, pode achar que eu nem sei chorar. Mas é por tanto saber, que sorrio ainda mais sonora e escancaradamente.
Quem me vê sorrir, não sabe o que passei. Melhor assim. Nenhum veneno, nenhum fantasma, nenhuma dor ou desamor. Tudo isso existe, faz parte de mim, mas não podem roubar minha risada.
Essa é a vida que a gente tem obrigação de perseguir e compartilhar.

quarta-feira, março 22

Decidi que não colo mais nada que estiver aos pedaços

Um vasinho que minha filha pintou quando era pequena… quebrou. Colei uma vez, segurou um pouco, meio falhado, faltando pedaços. Quebrou de novo, meu coração apertou novamente. Não colou mais. Foram duas agonias que poderiam ter sido evitadas. A fragilidade da primeira cola e a frustração da segunda.
Assim é também na vida, nas relações, no que se constrói e destrói. Se quebrou, escangalhou, rompeu, se partiu, é momento de se despedir e descartar. Abrir espaço para o novo, o inteiro.
O apego faz a gente tentar reverter os danos, fazer voltar ao normal, fingir que nada aconteceu e tocar para frente. Mas, e não vale para tudo, mas vale para muita coisa, às vezes não tem jeito. O conserto fica pior do que o original, a ilusão do refazimento cria sombras e sustos a cada movimento. Uma fragilidade insuportável!
Por outro lado, estranhamente sofremos pelos rompimentos, pelos cacos espalhados, por comunicações cortadas, mas diariamente descartamos um monte de aquisições e possibilidades, concentrados que estamos em colar pedaços do que não irá funcionar mais.
Um tecido rasgado não volta ao normal, ainda que a costureira seja fantástica. Uma relação esgarçada, também não. Mesmo que se faça um esforço supremo para juntá-la novamente. E constatar que não foi possível, é a segunda dose do sofrimento.
Eu gostava demais do vasinho pintado. Mas eu também gostava demais de um telefone que quebrou, de um amor que me deixou, de uma amizade que não rolou. É assim mesmo, a gente gosta demais, se dedica enquanto a coisa tem vida, cuida e tenta conservar.
Mas, se vier a quebrar, é importante discernir se vale à pena tentar colar. Muitas vezes é melhor se concentrar na despedida, no processo de luto e desapego, do que na fragilidade de uma cola que nem quer essa responsabilidade toda para si.
Deixar sair da vida, da posse e do campo de visão é tão importante quanto observar o que diariamente se apresenta por inteiro para nós.

sexta-feira, março 17

Ansiedade, um combustível perigoso!

A ansiedade põe a gente de pé num piscar de olhos, orquestra movimentos rápidos, pensamento acelerado, curiosidade aguçada, tolerância zerada.
Se ansiosos por uma boa notícia, acordamos positivos, lépidos, energizados. Quando a ansiedade é por uma chegada, tomamos todas as providências possíveis, tratamos de arrumar e organizar, surpreender e adivinhar.
Ansiedade é combustível. Acelera, bota ordem, encadeia, encaminha. Ansiedade bem dosada, é um estimulante, a companhia perfeita da curiosidade.
Mas, como toda matéria inflamável, entra em combustão com a mínima fagulha. Uma incerteza, o menor atraso, um passo fora da linha, um retorno que não estava nos planos…
E a ansiedade vira incêndio, explosão e destruição. Fica fora de controle, do eixo, da respiração. Ansiedade descompensada agride, asfixia, deixa a vida imersa em fumaça, fuligem e sombra. Esconde o horizonte, fecha as cortinas, tranca as possibilidades e faz disparar o coração, até o ponto de explodir.
Como combustível, empurra!
Como explosivo, destrói!
Todo mundo carrega a sua quantidade de ansiedade, e controlar é tão difícil quanto identificar o que faz disparar. Assim como a agressividade, é quase impossível saber a faísca que provoca o fogo. Mas a luta é diária e sem descanso. O que nasceu para ser estímulo, não pode virar obstáculo.
Ansiedade é coisa séria e deve ser tratada como merece. Quem já viveu a menor crise, sabe o poder desse incêndio incontrolável, que consome todas as reações.
Ao menor sinal de que o combustível está fugindo do controle, o melhor é reduzir a marcha, desligar os motores, procurar ajuda e alternativas para manter a respiração na velocidade de cruzeiro.

sábado, março 11

Sobre sentimentos camuflados e trincheiras íntimas

Não quer dizer sim. Talvez quer dizer não sei. Sim quer dizer sim, estou livre para escolher. São muitos códigos, alguns sem lógica alguma, criados para não serem jamais decifrados.
Vivemos uma longa lista de sentimentos camuflados, entrincheirados, na tocaia, aguardando um momento de trégua para enfim, partir para a exposição.
Somos preconceituosos com nossos sentimentos. Somos antiquados. Somos reféns da opinião alheia, da aprovação dos chegados, da benção da família, do vizinho, da time line.
Curiosidades e emoções brotam fora da lógica de qualquer um, ganham vida nos devaneios e sonhos de realização. Mas, como não se enquadram nos padrões, acabam por se refugiar na trincheira dos segredos, alertas para não serem descobertas ou traídas por uma palavra, gesto ou olhar.
Lidar com esse time de intrusos que ameaça a normalidade das coisas é tarefa que exige coragem. Mandar embora sem tentar entender razões, pode ser uma porta escancarada para a entrada de frustrações pesadas. Negar, rejeitar, despachar, varrer… Cada um certamente sabe o que fazer com o que aparentemente não lhe cabe.
Preocupante é condenar ao descarte por razões externas. Por que não saber o que está de fato rolando com esse sentimento que a gente nem desconfiava que pudesse existir? Pode ser o surgimento de outro olhar para a vida, pode ser um tiro na água, pode ser qualquer coisa, mas certamente será mais um aprendizado na jornada do autoconhecimento.
Se conhecer é experimentar liberdade, é saber de si e ter consciência de que ainda há muito para conhecer. É usar espelho próprio e não o do outro, saber dos padrões, mas não usá-los como correntes.
Todo mundo guarda sentimentos camuflados e escondidos, velados, platônicos. Não mexer com eles é escolha. Vivê-los e arriscar o caminho desconhecido, também é escolha.
A escolha é sempre livre, soberana. Cabe a cada um decidir quando é a hora de tirar a camuflagem e declarar o fim da guerra interior.

sexta-feira, março 10

A vítima oportuna é poderosa e perigosa!

A vítima é sempre credora de algo. Desde um pedido de perdão até mesmo uma reparação pública. Na maior parte das vezes é a justiça atuando para deixar tudo no zero a zero novamente.
Mas o hábito de se fazer vítima em qualquer situação é pra lá de diferente das vítimas alheias à sua própria vontade. A vítima oportuna quer a atenção, a piedade, a preocupação, e, se possível, todas as reparações imagináveis. Justas ou não.
A vítima oportuna se veste de humilhação, se cobre com melindres e caminha pela estrada de lamentos e ladainhas. Mas não é fraca, não é humilde, não é inocente.
É cheia de poder e acumula créditos. É intocável porque é vítima. É credora porque lhe devem. É manipuladora pela voz que invoca piedade.
E quando algo parece não funcionar, ainda restam as lágrimas. As lágrimas que desarmam muitos e bons argumentos, que lavam e levam embora boa parte da razão, que derretem decisões e deixam arrependimentos espalhados como poças depois da chuva.
A vítima oportuna atua com as ferramentas que possui e vai construindo suas muralhas, até o ponto de ficar totalmente inacessível. Ceder às suas queixas é conceder-lhe cada vez mais poder.
É importante ser sensível aos dramas alheios, é essencial praticar a empatia, mas é absolutamente imprescindível tomar posição firme junto às vítimas oportunas. Não há liberdade nessas relações, a vítima é quem comanda, ainda que aparentemente ferida ou paralisada.
Quem quer ter boa relação com o mundo, com as pessoas e com a vida, precisa ter os olhos abertos para as vítimas oportunas. Boas intenções são como iscas que as atraem. Elas sabem que boas intenções não apertam o botão da desconfiança com facilidade.
São vítimas de si mesmas, ardilosas, criativas, golpistas. Vítimas que não se comprometem com nada já que são vítimas e vivem passivamente, aguardando chances para se agarrarem.
Em todos os casos, ao reconhecer uma vítima oportuna, não dê a ela a oportunidade de fazer moradia nas suas ocupações.