quarta-feira, outubro 26

Vivemos um tempo em que tempo é mais caro do que dinheiro

Precisamos de um tempo. Queremos tempo para escolher o que queremos. Não temos tempo para o que importa. Mal chegamos onde queremos e já temos que dar meia volta e retornar.
Estamos ligados, criativos para produzir dinheiro, maleáveis com as tarefas, perseguidores implacáveis dos prazos, multitarefas, multifacetados, multimídias, multiprofissionais. Mas o tempo não se multiplica. Não atrasa. Nem sequer aguarda.
Temos recursos variados, mas não temos o tempo. Somos seres eternamente atrasados, apressados, assoberbados.
Não há mais tempo para uma conversa sem pretensão, um café da manhã demorado, um passeio no meio da manhã, uma ligação, um suspiro relaxado.
Nossos dedos se adaptaram a digitar em telas minúsculas numa velocidade incrível, mas nosso coração ainda sofre descompassado com a urgência de tudo o que temos para cumprir num único dia.
O tempo não se ressente, nem tem preferências. É justo e passa igualmente para todos. Temos dificuldade em perceber as oportunidades diárias. Se o tempo custasse dinheiro, por certo o valorizaríamos mais, lutaríamos por ele, tentaríamos em vão armazená-lo em cofres e propriedades.
Vivemos para morrer. Sem perceber, a maioria de nós só pensa em construir conforto e estabilidade para enfrentar bem a morte. Enquanto isso, o tempo vai indo, abrindo seu caminho e trazendo de fato as renovações de ciclos e gerações.
Quanto custa uma hora do seu tempo? Por quanto me venderia se eu a quisesse comprar? Quantas horas você se permitiria, sem nada produzir nem lucrar? Só apreciando a passagem do tempo, na companhia escolhida, um pouco mais pobre no banco, um tanto mais cheio de vida…
A falta de tempo é amiga da taquicardia, do bruxismo, dos tiques e espasmos.
A vida moderna assume essa culpa, mas não mostra o antídoto.
Se queremos viver em comunhão com o tempo, está na hora de desacelar e respirar!

terça-feira, outubro 25

Não percamos tempo elaborando disfarces

Espontaneidade não se ensaia, cultura não se finge, preconceito não se esconde, gosto realmente não se discute.
Jamais será possível corresponder a todas as expectativas alheias, e nossos processos e falhas por vezes serão expostos e julgados, muito embora por juízes não credenciados nem sequer considerados.
Disfarçar dificuldades não é uma arte, não é uma habilidade. Ao contrário, pode ser uma corda perigosa se enrolando a cada disfarce em volta do pescoço, que, em um instante, pode ser violentamente puxada.
O desespero de ocultar razões para críticas e reprovações, acaba por nos fazer reféns de disfarces e máscaras.
Admitir ignorância a respeito de determinado assunto, confessar dificuldades em lidar com certas questões, respeitar e guardar distância de diversas animosidades, nada disso nos desvaloriza, como equivocadamente costumamos supor.
O que realmente nos deixa vulneráveis, frágeis e vergonhosamente expostos é o esforço tolo de encobrir e disfarçar os traços que formam a nossa identidade. Viramos caricaturas, nos tornamos seres obtusos, vigilantes, sempre alertas para não revelar um momento de contradição que possa nos trair.
É o uso do tempo de vida em favor da opinião e julgamentos alheios, desprezando o desfrute próprio, as conquistas escolhidas, as coisas bobas boas da vida, ainda que o vizinho não aprecie, o alvo da paquera despreze, a família não valorize, o mundo rejeite por questões de padrões e embalagens.
Disfarces são caros, nos custam o fôlego, a espontaneidade, a individualidade. A aceitação de nós mesmos, em contrapartida, é que nos permite enxergar, carregar e sentir necessidade de mudar nossas convicções, preferências e dificuldades.
Cuidemos pois, de cuidar e lustrar nossa versão original e única, valorizando o que o tempo ensina.
As camuflagens só servem para quem deseja viver entrincheirado nos desejos da ilusória perfeição.

terça-feira, outubro 18

Que dívida é essa que a gente insiste em cobrar da vida?

Gratidão é palavra do momento, especialmente quando as coisas dão certo e estão perfeitas aos nossos olhos, julgamentos e anseios. Então divulgamos a dádiva a plenos pulmões, compartilhamos o êxito e vibramos com o merecimento.
O que era para ser um um gesto natural, obrigatório para as consciências conectadas com o fluxo da vida, anda um tanto exacerbado. De todas as formas, melhor a gratidão ruidosa do que a sua gêmea má que nada agradece.
Mas, como nem tudo são flores e gratidões, nem vitórias, nem conquistas, difícil mesmo é ser grato às frustrações pelas oportunidades de enxergar um outro caminho, uma nova perspectiva.
Nessa hora a gente pega a fatura vencida e apresenta para a vida, como o filho mimado que corre chorando para dentro de casa com o brinquedo quebrado, exigindo a compra de outro, como se não fosse sua escolha levá-lo para brincar na rua.
A maioria de nós ainda age assim. Cobra da vida uma dívida que ela não tem conosco. Ataca a sorte, responsabiliza as circunstâncias, amaldiçoa o acaso, exige garantia infinita contra perdas, danos, terceiros e eventualmente, si próprio.
A gratidão se recolhe no meio da fatura tão grande e impagável emitida contra a vida dos que julgam possuir o passe exclusivo, a chave da sala vip onde nenhuma contrariedade é permitida.
Mas, assim como o tempo, a vida não dá bola para nossas tolas lamentações, e, frustrados e mimados que somos, como não conseguimos atingir a verdadeira culpada, vamos para outras direções, e então distribuímos sem economia o nosso mal humor, pessimismo, irritação, impaciência, raiva e todos os derivados e agregados que engrossam o time das frustrações.
Quando a gente aprende que a vida não nos deve nada e as escolhas são passíveis de fracasso, as contas são perdoadas, as dívidas caducam, as culpas se eximem e se transformam em gratidão consciente e libertadora.

Publicado em Conti Outra em 18/10/2016.

domingo, outubro 16

Despedida de um amor

Vou-me embora da sua vida. Vou hoje, sem demora. Uma decisão calculada, conclusiva, bem pensada. Vou-me embora da sua vida, aliviar o peso que você carrega, liberar a sombra que te roubo, devolver o espaço que ocupo.
Vou-me embora para me preservar, para te poupar, para nos afastar, para poder pensar, sentir saudades ou alívio, solidão ou euforia, liberdade ou arrependimento. Vou para ouvir o meu silêncio, entender meus desejos, separá-los da confortável rotina, deixar que sintam frio e medo, que digam o que realmente querem de mim e para mim.
Se você não puder esperar, prossiga. Eu vou porque por perto não entendo o que preciso. Vou para saber de que lado sofro e de que lado me aconchego.
Vou-me embora da sua vida para viver um pouco só. Vou testar as inseguranças e desproteções que tanto se teme. Ou descobrir minha fortaleza e independência, que viviam trancafiadas nas crenças da fragilidade.
Posso me arrepender, e se isso acontecer, não terei medo de lhe dizer. O maior medo que passo é hoje, a decisão de romper com o que já conheço e acabei por me acostumar.
Mas não quero somente me acostumar. Nem que se acostume comigo. Quero outra dimensão de vida, de surpresas, emoções e descobertas. Quero isso para mim e também para você.
Não sei se é pedir demais. Na verdade, o único pedido que tenho é que você não me queira por perto enquanto eu precisar ficar longe.
Vou-me embora da sua vida porque a confundi com a minha própria e isso não é jeito de se viver. Não te culpo, não me culpo. Só estou indo porque não saberia como ficar sem me entender.

sexta-feira, outubro 14

Desconfio, logo, sofro

Já foi a época que a criatura desconfiada corria para abrir cartas alheias na boca da chaleira, para aplacar seus medos ou confirmar suas desconfianças.
Hoje o martírio de um desconfiado está em outro nível, uma verdadeira caça de tirar o fôlego e a razão. As opções que um desconfiado precisa identificar, formam um jogo perigoso que pode consumir tanto mais tempo quanto maior for a presença do seu alvo nas redes e aplicativos sociais.
Desconfiar de alguém e viver uma constante caça, é sofrer com conclusões de uma lógica única, particular, tendenciosa e pessoal.
Mapear os movimentos de alguém, utilizar o tempo disponível com esse propósito, é dar um tiro no próprio pé, é ferir-se espontaneamente, é se desrespeitarem alto e nocivo grau.
O ouvido na porta, o olho na fresta, a armadilha jogada, a senha roubada, tudo isso revela um alto grau de sofrimento, de detrimento, de enfraquecimento.
Desconfiança não é curiosidade. Desconfiança é muito pior. É buscar desesperadamente estar dentro da vida privada do outro, ser a mosquinha que tudo assiste, ter a fofoca em primeira mão, às vezes o alívio, outras, a decepção.
Desconfiar é meter a mão no formigueiro e culpar o outro pelas feridas da própria decisão.
Se eu desconfio, não confio. Se não confio, não faço revelações, não contabilizo promessas, não faço planos nem sonhos.
Se eu desconfio e não confio e ainda assim eu fico, sofro. Sofro porque preciso provar que estou errada, que minha desconfiança é loucura, que meus instintos me traem, que minha razão falha.
Se provo, depois me culpo.
Se não provo, me decepciono.
E sofro pelas duas razões.
Que eu possa ser livre o suficiente para deixar, livre, dar corda, confiar e ser de confiança!

quarta-feira, outubro 12

De tanto nada ter, agora de nada preciso

Quando nada tinha, tudo queria, tudo parecia necessário e imprescindível. Não conquistando, abria mão. Por fim, esquecia. Trocava o desejo por outra conquista. E assim foi passando, com alguns resultados favoráveis e outros nem tanto.
A gente quer muito! Os primeiros ideais são de absoluta perfeição. Nada fora do lugar, nenhum fio de cabelo despenteado, nenhuma frustração, negativa, rejeição. Um sonho, uma ilusão, com forma, conteúdo e riqueza de detalhes.
Então a vida vem e diz que não vai ser bem assim, que muitas das nossas vontades batem de frente com vontades alheias, que nossas ambições vão certamente entrar em conflito com outras ambições, que a maioria dos nossos desejos não serão realizados. Não sem uns bons ajustes e tempo de espera.
E a solução que a gente tem é se adaptar. Espremer um pouco, chegar mais para lá, customizar uma vontade, trocar por outra, encarar a frustração com a nota de maturidade esperada, para não desajustar, não surtar, não apelar.
Difícil esperar sim e receber não. Às vezes dá para disfarçar, dizer rápido que “nem queria tanto assim”. Outras, o chão se abre tanto que é preciso ajuda de alguém querido para não desaparecer no vácuo.
Eu, particularmente, não sou dessas pessoas nascidas viradas para a lua. Acostumada que estou com os nãos e os terríveis quem sabe, talvez por isso valorize tanto uma resposta positiva, um retorno favorável.
Se antes nem merecedora me julgava, agora isso passou. Os questionamentos pairam por outras instâncias… De tanto nada ter, agora penso que de nada preciso. Não é totalmente verdade, mas é reação. Ainda quero muitas coisas, e mais, afetos.
A vantagem que se tira disso é selecionar as vontades sem as transformar em necessidades.
Não há ânsia, sofrimento, frustração.
Quando não temos nada para segurar, as mãos livres abrem outras portas e possibilidades.

domingo, outubro 9

Marcas do tempo são um forte sinal de que não se pode perder tempo!

Meu rosto e meu corpo exibem marcas do tempo. Ainda assim muitas vezes me permito perder tempo. Jogar fora um tempo que não controlo, não posso pausar, voltar, frear.
O tempo é alheio a humor, preguiça, falta de coragem ou sobra de desculpas. Ele passa ruidoso, deixa marcas, mostra datas, aponta falhas.
Muito se deseja, pouco se faz. O tempo dos sonhos passa voando. É uma conta que não fecha e sempre vai mostrar números vermelhos.
Não se pode perder tempo. Não se deve se perder no tempo. Não há tempo para tudo. Não se sabe quando não haverá mais tempo.
Uma roupa nova deve ser usada.
A economia para viagem precisa ser realizada.
O abraço de saudade tem que ser dado.
Aquele perdão pendente não pode mais ser adiado.
O presente, entregue.
A tarefa, cumprida.
O aniversário, comemorado.
A vida, respeitada.
O amor, vivido.
De nada valem marcas do tempo escondidas ou camufladas, se nada ensinaram nem aliviaram a fome de tempo que nos consome.
Ainda menos riquezas acumuladas, se a miséria é de tempo que não se tem para desfrutar.
Se hoje você tem algum tempo, tente usá-lo a seu favor, com qualidade, valor e sabor.
Na corrida contra o tempo, a gente só consegue vencer se deixar mais marcas pelo tempo do que ele em nós. Marcas, lembranças, recordações.
É disso que somos feitos e é isso que faz o tempo trabalhar a nosso favor.