segunda-feira, dezembro 28

Dezembro, o mês das catarses

Dezembro é o mês que enche de compaixão os nossos corações, esvazia nossas carteiras e nos faz refletir novamente sobre o sentido da vida.
Temos certa dificuldade com fechamentos, finalizações, conclusões.
Quando falamos de algo que gostamos, não sabemos como parar.
Quando comemos, não queremos que acabe.
Quando amamos, não gostamos de nos despedir.

E assim seguimos, com aquele medo velado dos finais, dos términos e rompimentos, da morte. O ciclo natural vai ficando tanto mais assustador quanto mais próximo do final. Somos assim, seres que brigam e magoam com os pontos finais.

E os dezembros são sempre prenúncios de pontos finais. O ano acaba, as reflexões e conclusões transbordam, para uns, que se vá logo! Para outros, como passou rápido...

Dezembro traz em si a imposição da compaixão, as emoções mais delicadas, o sentido de família, o olhar solidário a todos os povos da terra. Dezembro tem esse apelo.
Dezembro é mês de promessas, de votos, de planos, aquisições, ligações e contatos com gente que há muito não frequenta nossos corações. É mês de confraternizações e reencontros. Também de arrependimentos e perdões.

Em dezembro passam os caminhões da Coca-Cola, iluminados e musicais, e ainda que seja um merchandising batido, os corações estão tão amolecidos em dezembro, que a maioria de nós corre para a janela e realmente tentar captar a tal magia prometida.

Dezembro entorpece, hipnotiza. Faz a gente procurar desafetos, desculpar mal feitos, declarar-se exageradamente ao amigo secreto. Dezembro coloca para fora muito sentimentos retidos, faz a gente chorar fácil, rir escandalosamente,  olhar os muros e ver poesia em tudo...

...e escassez! Em dezembro é preciso comprar tudo. Para ter, para dar, para guardar, para esperar, para trocar, para o fim do mundo chegar. O desespero de dezembro é impressionante, mas é a expressão de como lidamos com os finais. Finais que são uma fração de segundo e logo tudo já é novo.

E que dezembro seja paciente com toda a catarse que precisamos fazer para sobreviver aos finais. Logo janeiro fará tudo voltar ao normal!


Uma boa faxina de final de ano!

Mera formalidade, a vida e o tempo ignoram o calendário, mas gostamos de fechamentos e conclusões. Final do ano sempre sugere limpeza, descarte, reforma, mudança de ares e vibes.
A faxina da casa é a parte mais fácil. Descartamos aquelas coisas de cozinha que compramos prometendo uma inovadora utilidade e jamais usamos; jogamos fora revistas, jornais, etiquetas e notinhas fiscais; doamos livros, roupas, bibelôs e outras tranqueiras que, por final concluímos que só serviram para acumular poeira. O ambiente se renova, a casa fica mais aliviada, parece que tudo vai andar bem no novo formato e pensaremos duas vezes antes de comprar tudo de novo…
Então, chega o momento do check list das pendências, promessas, compromissos e sentimentos empoeirados e acumulados na estante pesada. Por onde se começa uma limpeza como essa? De onde retirar coisas, de modo que a estante não se desequilibre e tombe com tudo por completo?
Abolir o mais pesado pode parecer um grande alívio, mas, se por um segundo isso escorrega, o estrago será grande!
Melhor começar pelas poeirinhas que voam, aquelas que pensamos que já foram, mas que, quando viramos as costas, pousam novamente nos móveis e em nossas consciências.  As poeirinhas teimosas das implicâncias, desejos de revanche, invejas e ciúmes descabidos, tantas vezes sutis, mas que causam grandes e sofridos estragos.
Feito isso, uma boa ideia seria aspirar todas as palavras que não foram ditas, as brigas internas, as discussões ensaiadas e jamais travadas, os insultos e difamações cogitados em momentos mais tensos. Aspirar e liberar, esvaziar o coletor.
Por fim, para clarear e perfumar novamente o que já andava cinzento e sem vida, distribuir, mesmo que em pensamento, todos os votos possíveis de saúde e paz aos desafetos,  compreensão aos mais difíceis, paciência, entusiasmo, criatividade e muita vontade de viver a nós mesmos e a todos os que pudermos afetar com o nosso convívio.
E, com a faxina em progresso, já seremos capazes de olhar através das vidraças o amanhecer do próximo ano, que promete ser exatamente do jeito que lidarmos com ele. Que comece limpo e claro!
Publicado em Conti Outra em 28/12/2015

sexta-feira, dezembro 25

Dizer adeus a um amigo

Amigo é a cola que nos prende a cada etapa da existência. Amigos de infância, de colégio, de esporte e trabalho, amigos de copo, de loucuras, sem razão e sem noção. Os amigos nos situam, nos mostram onde estamos no momento, e, sem dúvida, por onde passamos e o que nos tornamos, inclusive por eles.
Dizer adeus a um amigo é renunciar obrigatoriamente ao seu convívio. É se dar conta de que, o que era uma escolha, no momento do adeus torna-se uma cruel imposição.
Amigos são aqueles que passaram por nossas vidas e deixaram lembranças, quase sempre deliciosas e divertidas, mas foram levados para outras estradas, outras escolhas, outros lugares. Amigos são os que frequentam a nossa vida e viraram nossos compadres, tios dos nossos filhos, conselheiros e enfermeiros para todas as horas. Amigos são também os que o mundo virtual nos apresenta, que de alguma forma se importam conosco, torcem por boas conquistas, fazem votos de aniversário, pensam em nós com carinho. E somos amigos de todos esses amigos na medida que retribuímos. Na parcela de tempo e vontade que destacamos para responder a uma mensagem, fazer uma ligação, uma visita, comparecer a uma festinha, encontrar na rua e dar um abração!
Diferente das outras formas de relacionamento, para os amigos não é preciso muito. Basta saber que o amigo existe e está tocando a vida como sonhou ou como pode, mas que é seu amigo, que ilustrou alguns dos seus dias e você guarda lembranças reais e a maioria delas é feliz! Até mesmo as que não foram, o tempo as transforma em piadas e lendas, e, quando contadas, se tornam o charme da amizade.
Dizer adeus a um amigo é ter a irremediável certeza de não haver mais nenhuma repetição dos momentos vividos. É sentir-se um pouco mais só no mundo, constatar a patética e tola certeza de que a vida escorre pelos dedos e nunca seremos capazes de segurá-la.
Dizer adeus a um amigo nos faz repensar o tempo. Como vivemos o tempo que temos. Como, de forma totalmente equivocada, já evitamos reencontros pelas mais variadas e infelizes desculpas.
E então é o dia de dizer adeus a um amigo. E nos deparamos no espelho com cara de órfãos, desolados e desorientados. Adultos que somos, vamos superar, mas, se há uma dor miserável de  intensa, essa é a dor, de dizer a adeus a um amigo. É dizer adeus a si mesmo, à parte que fomos em sua companhia, e, mesmo que ínfima no todo da vida, é a parte nos diz adeus e nos desfaz, a cada amigo que se vai.

segunda-feira, dezembro 21

Pontuando a vida.

Se seu texto ainda não chegou ao ponto final, valorize as exclamações!
O travessão avisa que vou falar, que é o meu espaço de comunicação, que tenho uma mensagem, um acréscimo, uma contribuição.
Quando peço a palavra para a vida, tomo a responsabilidade de ser ouvida e em alguns casos, seguida como exemplo. O travessão pode ser uma ponte, um caminho,  ou uma arma. Uma espada afiada.
Reticências dão o tom da divagação, da respiração que tenta concluir, refletir, deixar o outro complementar se preciso for. Em si são boas, mas o abuso delas pode comprometer a mensagem…
A vida entre parênteses é um perigo. Nunca se sabe se é melhor sair e fazer parte da dinâmica, ou, permanecer velada, visível mas impenetrável, infelizmente dispensável se retirada do contexto. É o caso das indecisões, da falta de posicionamento, do medo paralisante de errar e fracassar. Entre parênteses, coloque-se somente o que realmente não pode ser misturado ao todo.
Dois pontos são as constatações importantes, as realidades, as ocorrências, felizes ou não, mas presentes em toda a composição da vida. As vírgulas ditam o ritmo, as pausas, o que se acrescenta e segue em frente. O que é narrado entre  vírgulas,  geralmente é especial.
Na dúvida, na vontade de saber mais, de se aventurar, que questionar, todas as interrogações do mundo são válidas. E a cada parágrafo um novo passo, um assunto diferente, uma nuance da vida descoberta com o tempo, carregada de vivências. Carregamos alguns parágrafos longos e enfadonhos, seguidos de outros mais leves e sintéticos. Depende sempre do desenrolar da história.
Tudo necessário, útil e com significado e valores definidos, Contudo, nada mais inquietante, desbravador e estimulante do que as exclamações! Através delas consegue-se demonstrar grandes surpresas, loucas descobertas, estupendas emoções! Exclamar é quase obrigatoriamente terminar uma frase com um sorriso! Exclamar é soltar de forma espontânea uma reação! Exclamar é fazer um anúncio, uma homenagem, uma aclamação!
A pontuação da vida é uma composição pessoal, muitas vezes colaborativa, outras, solitária ou mal entendida, mas cada um sabe onde cada ponto lhe convém.
Importante lembrar, enquanto não chega o momento do ponto final, que exclamações são infinitamente mais empolgantes e vibrantes do que reticências, e, que as aspas alheias sejam exemplo de valores a considerar.

sábado, dezembro 19

A arte de não saber aproveitar as férias

Sonho com elas. Sonho muito. Faço planos, consigo ver o tempo passar vagarosamente de dentro de uma rede, balançando indolente.
E eis que vem chegando o dia tão sonhado, e, por mais organizada e programada que seja a temporada, tudo começa a sair do controle. A geladeira pifa, o zelador vem avisar que tem um vazamento “dos grandes” lá na garagem e que tem toda a pinta de ser do nosso apartamento, o tempo muda, o cartão é clonado, o gato adoece… Uma semana ou mais para resolver tudo e ainda há férias para desfrutar. Nada de pânico!
Então, num olhar daqueles de relance, bem rápido, quase ignorado, a parede da sala salta! A parede que está um pouco manchada, que tem umas marcas de coisas que não estão mais penduradas lá. – Ah, eu podia pintar essa parede. Em um dia faço isso. Nem vou lixar, está lisinha… Pronto, quem já pintou uma parede sequer, sabe onde isso vai dar. Mais uma semana entre massas corridas, texturas para as partes que não foram lixadas, as outras paredes porque ficaram feias perto da recém pintada e muita reclamação e arrependimento, enquanto os respingos do chão são tirados, um a um.
Mas sobraram uns dias e vou aproveitar loucamente. O plano é rever amigos queridos, rodopiar pela cidade, acordar tarde, almoçar tarde, dormir a tarde…
Mas os amigos não estão de férias, não consigo decidir se é melhor ir ao novo museu ou ao cinema, o relógio biológico urra às sete da manhã, ao meio dia já estou louca de fome e, entre uma indecisão e outra, vejo que chegou um e-mail de trabalho. Claro que não darei atenção, estou de férias, vejo isso no retorno. Mas, quem sabe dá para adiantar e então a volta não será tão atarefada. Deixa eu ver…
E no domingo, véspera do retorno à rotina de trabalho, meio que sem querer, recebo mensagem de uns amigos convidando para um vinho e papo furado. A verdade é que agora só quero que chegue logo a segunda-feira, já tenho todas as tensões do trabalho alinhadas e marchando na cabeça, mas meio de má vontade, aceito.
E despertador toca às sete da manhã e eu volto das férias com uma tremenda ressaca!

quinta-feira, dezembro 17

Sentimentos implícitos: Armadilhas silenciosas

Minha mãe costumava dizer que me amava me dando comida. Quanto mais comida, mais amor. Engordei, fiquei com raiva dela e comi mais para compensar essa raiva toda. Por anos vivemos um ciclo de sentimentos implícitos, onde não ousamos trocar a comida por palavras de afeto e preocupação com a saúde.
Por fim, o socorro de uma terapia clareou todo o cenário e pode-se ver então os pobres e subnutridos sentimentos que já não sabiam mais outras formas de expressão.
Essa é uma passagem comum na vida de muitas pessoas e, como cultura que passa de um para outro, absorvemos rapidamente. Sentimentos implícitos. Eu amo você, mas demonstro de uma forma obtusa, não digo isso a você porque me custa um esforço enorme, me deixa em suas mãos, me aterroriza a ideia de não ouvir que o sentimento é recíproco. Então agrado, surpreendo, exagero, adivinho seus desejos, mas tudo muito despretensiosamente, rotineiramente, naturalmente.
E você recebe, mas como não houve nenhum sinal, nenhum código para a resposta, não consegue perceber o anseio da demonstração que eu esperava ter como retorno. Eu não expressei, mas esperei sua expressão de sentimentos. E então veio a frustração, a raiva, a chateação pela não gratidão de tudo o que fiz por amor. Mas o amor não foi dito, não foi saboreado, compartilhado. Tudo o que veio foi um pacote de vantagens e serviços assinado pelo amor. Ele em si, não estava presente.
Sentimentos implícitos são maus companheiros. Eles são vorazes, querem gratidão imediata, exigem correspondência no ato. Sentimentos implícitos geram respostas implícitas, alimentam o silêncio que anula a melhor das comunicações.
– Eu pensei que você ficaria bem; fiz isso para te proteger; Desisti porque você não gosta…
Sentimentos implícitos emudecem e oprimem o que deve ser dito, matam e morrem aos poucos, enfraquecem a coragem que todos devem ter ao dizer o que sentem e como se sentem. São sentimentos covardes que agem sem responsabilidade, disfarçados de bondade, de dedicação, mas que viram do avesso se não forem percebidos e correspondidos.
Pelo sim, pelo não: – Eu te amo, mas não vou cozinhar para você.

quarta-feira, dezembro 16

Passos firmes pelas voltas que o mundo dá!

Um frase tão repetida quanto verdadeira: O mundo dá voltas. Sim, voltas doces, voltas enroladas em papel de presente, voltas confusas, voltas envoltas em dores e saudades, vais e voltas, uma trama contínua com irrestrita cumplicidade do tempo.
E lá vamos nós, nos equilibrando e trilhando os caminhos sugeridos pelas voltas que o mundo dá, por vezes desejando que fossem suaves como a rotação da terra, outras, emocionantes e desafiantes, de acordo com nossa necessidade momentânea de adrenalina.
A verdade é que não temos nenhum controle sobre essas voltas, e nos resta o desafio de minimizar os tombos inesperados, os solavancos causados por nossa falta de reflexo

E falando em reflexo, assim é a vida, um reflexo desse emaranhado de curvas e ladeiras. Um caminho cujas surpresas vão brotando do inesperado, uma combinação esquisita de eventos conquistados, outros frustrados, e tantos inesperados. Um caminho nada reto transpassado por mil outros caminhos.
As voltas que o mundo dá por vezes nos deixam tontos e desorientados, mas o caminho exige movimento, nos ordena avanço e descobertas. Para seguir em frente, é preciso andar a passos firmes, passos que segurem os pés no chão e ao mesmo tempo impulsionem a ida adiante. Não precisam ser barulhentos nem rudes, mas firmes, muito firmes. Passos de quem sabe que precisa ir, mesmo sem certeza de onde irá chegar. Se forem vacilantes, todo o corpo estremecerá, o caminho mostrará seus perigos com lente de aumento, tanto que as belezas não serão apreciadas.  E sem equilíbrio, sem sustentação e coragem, ao primeiro estremecimento virão as quedas, rolagens ladeira abaixo, ferimentos e mágoas.
E se a roda da vida não para, se as voltas virão apesar de todo e qualquer protesto, que os passos firmes e decididos possam dar ritmo à caminhada, que bons e reais afetos  sejam escoras para as possíveis quedas, e que as voltas nos permitam, mesmo que de relance, ver mais profundamente o desenho do caminho que ainda há pela frente.

Publicado em Conti Outra em 16/12/2015

domingo, dezembro 13

Quando o bom é justamente não vencer

Vencer na vida. O que significa isso? É dinheiro? É amor? É alguma vitória que só a alguns caiba e a outros não? Uma expressão bem usada, mas desconfio demais da sua adequação. Não existe essa vitória tão ampla, tão ostensiva, tão contundente. A vida de todos passa pelos altos e baixos, vitórias e derrotas, ainda bem.
Justíssimo que se lute por vitórias, mas tão importante quanto o foco no êxito, é o discernimento para identificar batalhas perdidas, disputas desleais, provocações inúteis. Essa é a boa derrota, a que liberta, não oprime, não humilha, não trapaceia.
Ganhar a razão numa discussão em troca tão somente da última palavra é uma grande tolice. E um crachá de chatice.
Entrar numa disputa por afeto é certeza de ferimentos e muita mágoa espalhada pelo chão. E afeto não se disputa nem negocia.
As vaidades também oferecem uma briga feia, daquelas em que geralmente se mostra os defeitos alheios por não se ter qualidades suficientes para apresentar. Melhor passar.
Briga por poder, por reconhecimento, por vantagens, por prestígio… se para tudo isso é necessária uma briga, a vitória não é legítima. Não é conquistada, é tomada.
Como na brincadeira da dança das cadeiras, vale pensar que, se para sentar na última cadeira e vencer é preciso deixar alguém cair sentado no chão, talvez a grande vitória seja dividir a cadeira e ambos sentarem.
A vida não está mais para este tipo de brincadeira.
A melhor vitória é uma consciência em paz.

As incríveis pessoas que parecem ter o tempo nas mãos

Vez por outra a gente se pega reparando em pessoas agindo de uma forma tão diferente da gente, que é simplesmente impossível ignorar.
Fico sempre cismada com as incríveis pessoas que parecem ter o tempo nas mãos. Esse tempo que a maioria de nós disputa com sofreguidão, faz estranhas e bizarras trocas por um tempo de folga, tratos e tratados para que ele não passe tão velozmente. A vida é corrida até no sono. O ano passa voando, as férias então, nem se fala…
E assim vamos, no ritmo do tempo, lamentando e sempre sonhando com mais tempo para tudo o que queremos, precisamos e desejamos viver. A maioria de nós.
Mas, contrariando a marcha do tempo, há pessoas que simplesmente vivem no seu próprio ritmo, nas suas passadas,  fazendo do tempo um bom companheiros. Pessoas que não casam suas ansiedades com os ponteiros de um relógio, não tratam o tempo como um adversário feroz. Tão somente vivem, e não há alarme que as tire do sério.
Ainda penso se isso é vantagem, mas tudo depende do ponto de vista. O que parece ser inquestionável é a incrível capacidade de não se contaminar com o ritmo imposto. Isso é sensacional! Pessoas que, nos dias de hoje descascam meticulosamente uma laranja, conversando animadamente, sem pressa para terminar…E terminam, e fazem todas as suas tarefas na medida do seu tempo. É certo que o atraso deve ser um grande amigo dessas pessoas, mas atraso só existe para quem é dominado pelo tempo.
Meu encantamento com essas pessoas é infinito, já que, escrava do tempo assumida, vivo na roda do tempo, hora tentando saltar, hora pedindo para parar.
Não saber o que fazer com o tempo nos torna seres ainda mais ansiosos, nos impede de contemplar muitas maravilhas da vida, de ouvir o que dizem nossos afetos, de reparar no tempo que poderíamos dedicar ao convívio.
Que bom que existem pessoas que nos convidam a essa reflexão, a essa troca de marcha, que em si já sabem que não é necessário correr tanto.
De minha parte, começo hoje o exercício de não correr contra o tempo. Estou decidida a começar uma amizade forte – e duradoura – com ele.

sexta-feira, dezembro 11

O momento perfeito para dar uma boa olhada para trás

Quase como uma regra, valorizamos o quanto podemos as perdas e fracassos, atribuindo uma importância gigante e, por consequência, responsabilidade e culpa, as pesadas e enferrujadas correntes.
E vamos acumulando, enchendo a sacolinha, colocando mais um franzido na testa, aborrecidos e contrariados, correndo inutilmente atrás da tão sonhada perfeição, invencibilidade e garantia de todas as vitórias possíveis.
Uma doce ilusão que nos empurra para frente, apesar da sacolinha cada vez mais cheia e pesada.
Chega então o momento da pesagem, a balança já ficando desequilibrada, o pessimismo e as desilusões fazendo um contrapeso parrudo, e bate na porta a depressão. Ela quer muito entrar e fazer ninho quentinho no emaranhado das coisas e causas mal resolvidas, promete um doce e suave torpor, um soninho que não passa, aquela vontade de ficar somente olhando para o teto.
É hora então de buscar rapidamente a caixa com aquelas fotografias antigas, as de papel amarelado, de saudades, de lembranças guardadas e amores correspondidos. E são tantos, tão intensos, tão importantes para o que somos hoje, mas que malvadamente não contabilizamos como o fazemos com as perdas.
Se não houver fotos para ilustrar , a memória, mesmo que pelas metades ou terços ou flashes.
É momento de contabilizar os amores correspondidos, todos eles. A moça da padaria que escolhia o pão doce mais bonito, os cachorros da casa, a primeira melhor amiga, a professora que desenhava coraçãozinho no caderno, o irmão implicante, os primeiros amores…
Olhar para trás para encontrar novamente o lugar de onde veio, as risadas, os colos e abraços. E tentar conectar o hoje com todos esses momentos, não perder-se nas desilusões e decepções. Lá atrás também elas existiram.
Importa portanto, dar essa boa olhada para trás e sentir-se tão confortado quando possível, agradecer aos amores correspondidos e até aos platônicos e impossíveis, pois o exercício sempre nos leva a outro degrau. E se hoje a sacolinha de desilusões está pesando, talvez seja hora de jogar um bocado delas fora e trocar por umas leves e perfumadas lembranças. Afinal, é disso que também somos feitos!


segunda-feira, dezembro 7

Recuse rótulos heróicos

Você é forte, me acalma, traz uma paz…. Um pretenso elogio para quem o faz, uma condenação para quem recebe.
A princípio soa bonito ser forte, guerreiro, imbatível, desafiador. Mas, como tudo na vida, isso é momento e passa. E quando aceitamos esse rótulo, esse sobrenome, parece que automaticamente dispensamos o direito a fraquezas e dores. Os outros passam a nos enxergar como indestrutíveis, como uma referência, como conforto e proteção.  Podemos até ter um bocado de talento para isso, mas a verdade é que jamais seremos fortes o tempo inteiro. Vamos precisar de consolo muitas vezes na vida, e, quanto mais sustentarmos esse título com orgulho, mais pensarão que de nada necessitamos.
E o momento de pedir ajuda vai chegar. Aquele dia algo nos  acontece e não conseguimos lidar sozinhos com isso. E pedimos por socorro, mas então as pessoas ficam confusas e nos dizem: – Mas você é tão forte! – Como pode ficar assim? – Não te reconheço! – Ah, nem parece aquela pessoa que nós admiramos!
Não é assim? A frustração de se apresentar carente de consolo, retirar a armadura pesada e ter a coragem e fortalezas postas à prova. Então o rótulo se mostra desnecessário, inútil, inválido, posto que não há ser humano vivente que não precise de um colo, um ombro, um sorriso, um abraço, uma palavra de carinho algumas tantas vezes na vida.
Melhor seria destituir logo a fama no instante em que ela nasce. Já negar na partida: – Olhe, não sou isso tudo não, nem na sombra. Eu sinto medo, perco o chão, gaguejo, fico de boca seca, mãos suadas e coração a mil. Sou tão forte quanto você, mas certamente enfrento seus problemas com desempenho melhor do que enfrento os meus. E que vantagem há nisso?
Melhor aceitar que temos momentos insuperáveis de uma força incrível, mas tantos outros de total fragilidade e solidão.
Hoje em dia, depois de muito me explicar para provar que também mereço um conforto pelas desilusões da vida , quando alguém vem com o assunto de – você me acalma, como lida bem com as coisas, me oferece paz e tudo mais, eu ouço com gratidão, mas logo em seguida anuncio que sem qualquer ilusão, ainda me apresentarei frágil e fora dos eixos. Por fim, quem é quem nesta vida para trazer ou tirar a paz do outro?  Quem é o protegido e quem é o protetor.
Coragem mesmo, é conviver bem com as fragilidades.

sexta-feira, dezembro 4

Um ponto de vista sobre o medo de altura

Eu tenho medo de altura.
Não chego nem perto de sacada do quarto andar em diante, não atravesso nenhuma passarela, sofro em escadas rolantes de shoppings, choro em elevador panorâmico e não visito mirantes. Mas um dia, um dia bem lá no passado, eu quis ser alpinista. Vai entender. Seria a cura para o meu medo ou a confirmação de maneira mais patética possível? Pendurada, a três metros do chão, chorando copiosamente. A melhor parte, na época, foi desistir.
Ainda ontem, falando com uma amiga sobre medo e preguiça, eu defendia o argumento de que o medo não paralisa, a preguiça sim. Mas esse era o meu ponto de vista ontem. Hoje, para falar sobre o medo de altura, precisei voltar atrás. Quantas passarelas me recusei a atravessar, quantos potes de ouro deixei de encontrar, pois o arco iris também é uma senhora passarela. Aquela vista maravilhosa do mirante, da varanda, da janela! Eu não tenho fotos com essas vistas ao fundo. Tenho algumas das vistas, muito embora através de grades e telas de proteção.
O fato é que esse medo me paralisa e, nisso tudo o que mais preocupa é: se eu acredito que é melhor sempre estar no chão, em terra firme e seca, de preferência, que outras certezas podem estar se alojando sem que eu tenha esperteza para perceber? Se não entro em um elevador panorâmico, como posso deixar as ideias voarem alto e me trazerem novas inspirações e novos pontos de vista? Será preguiça de combater esse monstro das alturas e trazê-lo para que fique com meus 1,62m e então possamos travar um embate justo e conclusivo?
Se só vejo a linha do horizonte por um ângulo, é justo que ela me pareça sempre a mesma linha, embora não seja sequer uma linha. Só para complicar um pouco mais, meu ponto de vista tem incontáveis pontos cegos, além das paralisias que o medo fincou.
Mas, assim como a vida, o que gente vê tem o colorido que já está presente em nós, penso que a melhor e mais prudente atitude a tomar seja a ofensiva, o enfrentamento, engolindo seco e partindo pra briga.
Começo com as escadas rolantes, passo para as varandas e sacadas e quem sabe, atravesso uma daquelas passarelas medonhas. Nas escadas vou pensar em elevar meus pensamentos e dar colorido a todos eles; nas varandas, vou buscar que ainda não pude ver e apreciar; por fim, na passarela, tentarei exorcizar todos os demônios que me seguram com força para que, enfim, eu atravesse livre e feliz, como era quando olhei para uma montanha e sonhei ser alpinista. Esse é o meu ponto de vista, hoje.
Publicado em Conti Outra em 04/12/2015

quinta-feira, dezembro 3

As escolhas nossas de cada dia

Uma vez, não lembro onde nem com quem, fizeram uma brincadeira interessante e provocadora, que até hoje me faz pensar. Era algo do tipo: Se você só pudesse escolher três. Três roupas, três músicas, três amigos (essa é a pior), três alimentos. Nessa pergunta dos alimentos, respondi instantaneamente: – Coco, milho e aipim. Todos riram. No final  das gargalhadas, veio a pergunta? – Por quê?
Então me justifiquei dizendo que era o que prometia mais misturas boas.
E desde então venho me  dando conta de que queremos muito, demais, o mundo, mas só podemos escolher poucas coisas para que a mistura nos agrade e seja boa.
É perda de tempo e energia escolher e se agarrar ao que não se pode dar conta, levar consigo antagonismos, controvérsias, paradoxos, discursos previamente estudados, antipatias, implicâncias… o cardápio é infinito, mas de digestão impossível.
A vida é riquíssima em variedades e é extremamente saudável experimentar e combinar, mas reconheçamos que nem tudo dá certo e nem todos se encaixam. É importante buscar as melhores combinações, fazer a vida fluir de forma mais natural. Um grupo de amigos só é um grupo de amigos porque as combinações são maiores do que as desavenças. O afeto é maior do que as diferenças de qualquer ordem. Uma profissão só representa uma boa escolha se os ganhos – quaisquer de sejam – forem mais expressivos do que as frustações, embora elas existam.
Um amor a dois só sobrevive se o que une for maior do que  o que pode separar.
As escolhas podem dar um tom nas combinações, muitas vezes certeiras, outras, equivocadas. Essa é a nossa batalha diária. Escolher pelo sucesso das escolhas. Ninguém quer perder, nem devolver, nem voltar a atrás.
Se na brincadeira tudo valia, para a vida é recomendável um pouco mais de reflexão. As possibilidades podem ser infinitas, mas as escolhas são particulares.
Humor, afeto, paladares, perspectivas, sonhos, ambições, relações, crenças… Não são somente três coisas a escolher, contudo, se não combinarem entre si, a brincadeira não terminará bem.

terça-feira, dezembro 1

O dia em que a lealdade sufocou o perdão

Houve um dia em que a coisa mais importante e necessária a fazer era perdoar. Era fechar o assunto e partir para outro, destruir diferenças, esquecer a mágoa e acordar e reviver o afeto.
Houve esse dia embora não lembremos cada um do seu, quando lançamos mão erradamente de uma virtude que, linda em sua essência, mas castradora quando mal interpretada.
Nesse dia o perdão gritou por socorro, mas a lealdade estava servindo a outros senhores, e o sufocou.
Nesse dia, a lealdade teve os mais variados comandos. Lealdade ao orgulho ferido; lealdade à vaidade cega; lealdade aos paradigmas, às relações de poder, aos interesses mesquinhos… lealdade à justiça de uma só via.

E, por fim, abateu o perdão.
Pobre lealdade,  sequer se deu conta do que fez. Foi usada como arma, como argumento, como escudo, como desculpa.
Quem de nós não viveu essa estorinha ao menos uma vez na vida? Pediu perdão e não obteve, pois alguém alegou lealdade às suas crenças e certezas? Ou, ouviu um pedido de perdão e negou, preferindo ser leal ao orgulho ressentido?
Lealdade não é para ser citada como parceira nem cúmplice. Lealdade é respeito e compromisso, mas não pode impedir um ato de reconciliação, de entendimento, de restabelecimento da paz.
Um gesto de perdão liberta ambas as partes, deixa fluir rios de mal entendidos e rancores. Um pedido de perdão entorta o mais rígido dos orgulhos, acerta diretamente o sujeito da ação, enche de coragem quem o faz. O perdão não pode e não deve se submeter a condições, deve ser concedido por vontade e generosidade.

Dentre as lealdades que carrego na vida, todos os dias digo a mim mesma: Na dúvida, escolha o que liberta, não o que te aprisiona. Seja leal à sua paz de espírito e não submeta ninguém aos seus padrões e julgamentos.
Publicado em Conti Outra em 30/11/2015