terça-feira, maio 31

Por favor, não me deixe apenas a mentira como alternativa!

Porque mentir é da vida, acontece, sai involuntariamente algumas vezes. Mas a reação esperada é o arrependimento da mentira, a confissão, perdão, libertação, o que couber na situação.
Mentira não é primeira opção para nada que pretenda ser verdadeiro um dia. Mentira é a cartada rápida, a palavra que sai firme sob o comando de uma cabeça atordoada. Mentir é tomar um analgésico de efeito rápido, cujo efeito também vai embora rápido. A consciência promove a desintoxicação e só sobra o mal estar depois da limpeza.
Por vezes existem perguntas cujas respostas não estamos preparados para encarar, mas também não saberemos tolerar as mentiras que virão em lugar. São as perguntas que ainda não estão prontas para distribuir seus frutos.
A gente força uma conclusão, quer na hora, mas a coisa vem com ranço, com a casca verde e sem néctar algum. Daí nasce a mentira que, neste caso, embora bem intencionada, acaba por azedar ainda mais a mistura.
Há dúvidas que só estão vivas porque são dúvidas. Quando tentam virar certezas, frágeis e vacilantes, recorrem à mentira para fortalecer os argumentos.
Ilusão é uma amiga íntima das mentiras. Ela é daquelas amigas que tudo pede emprestado, que acha que lhe cai bem tudo o que pertence à outra. De ilusão em ilusão vai crescendo o mito da mentira que consola e faz carinho nas almas que não querem sofrer, não cogitam encarar a verdade ou o que ela pode representar.
Eu teria muitas mentiras para contar, outras tantas para inventar, algumas ainda para sofisticar, porque todos nós somos bons nisso, mas, nessa altura, querendo muito assinar meu nome com liberdade e sem esmagar a ponta da caneta no papel da vida, tenho repetido um apelo, como se um mantra fosse, primeiro a mim, depois ao mundo:
Por favor, não me deixe apenas a mentira como alternativa!
Respeite as minhas verdades, mesmo que frágeis, ou, os vazios, ainda sem uma certeza que se encaixe nelas confortavelmente.
Publicado em Conti Outra em 31/05/2016

domingo, maio 29

Não me interessa a área vip. Eu quero a mistura

Eu já fiquei na área vip. Eu já fui para a sala vip. Eu só nunca me senti vip.
Para algumas pessoas eu sou importante, muito importante, que bom! Essa é a ideia desde o começo da vida.
Mas eu sou mais uma na multidão e ponto. E assim me sinto à vontade.
Não me encanta a exclusividade. Gosto de coisas que todo mundo tem, não ligo se uso roupas iguais às outras pessoas.
Não me convencem algumas classificações. Quem determina, quem julga, quem conclui? Papéis comprados, posições negociadas, muita propaganda, pouca verdade.
Não quero recompensas pelo que não fiz para merecer. Não sou melhor porque conheço as pessoas certas, não me torno mais encantadora porque estou para o lado de dentro da cordinha.
Eu quero a mistura, a liberdade de ficar ou sair, o sufoco de não ser tão especial nem exclusiva, mas ser quem bem entendo.
Quem quiser a área vip, que lute por ela, que a conquiste, que se entrose. É bom lá, é exclusivo. Mas para mim, é solitário.
Eu não quero olhar de cima, nem para trás. Eu quero olhar nos olhos, descobrir nuances que só acontecem com a mistura. Mistura de cores, de línguas, de peles, de gostos, de dúvidas.
Não quero ser diretoria, quero ser parte da romaria. Quero a rua, as risadas altas, a cerveja do boteco naquele copo pequeno.
Quero o cachorro-quente, o acarajé da baiana, a pipoca, doce embaixo, sal em cima.
Não quero ter rosto de vinte anos a menos. Quero as marcas do tempo que me pertencem, que guardam as vezes em que franzi o rosto, que me arrebentei no choro, que gargalhei até soluçar.
Não quero ser vip para uma plateia que não me interessa. Quero ser importante para quem é importante para mim. Sem cordinha, sem pulseirinha. Selecionados só pelas afinidades.
Publicado em Conti Outra em 29/05/2016.

domingo, maio 22

Sim, somos cheios de defeitos, mas para que caprichar tanto?

  • Só de raiva eu falei mais alto ainda!
Nesta frase o sujeito:
  1. a) Foi admirado por todos; b) Deu mais voz à sua razão; c) Fez papel de mandão; d) Permitiu que um defeito agisse por ele.
Há um infinito de outros exemplos – sempre mais nos outros do que em nós, como manda aquela insensata cegueira seletiva- de como é possível piorar ainda mais um feito mal feito, vulgarmente chamado defeito.
Defeito é um negócio que era para ir em uma direção e vai para outra, que provocaria risadas se não provocasse raiva ou repulsa, que geralmente invade o terreno alheio e provoca bagunça não desejada.
Defeito é um feito do qual seu dono algumas e equivocadas vezes se orgulha, crê que marca sua individualidade e personalidade, que o destaca na massa, a mesma massa que em geral se esforça para esconder e reprimir seus próprios defeitos.
Defeito não é de propósito, as mais das vezes, mas também não é trabalhado para se transformar em virtude. Defeito é cicatriz. A pessoa tem e carrega os seus como quem carrega a bolsa, sempre pesada e cheia de tralhas inúteis.
Não é difícil conviver com defeitos. Se olhar com simpatia, podem ser características.
Sofrível é viver com defeitos espaçosos, egóicos, inflacionados e supervalorizados. Aí sim, dá aquela vontade de correr para longe.
A pessoa que fala o que lhe vem à cabeça, sem o mínimo filtro de cortesia por exemplo, carrega um grande defeito. Isso não é sinceridade nem espontaneidade, é grosseria, e das grandes. É o defeito de se esvaziar e encher de lixo, o próximo.
Defeito todo mundo tem e muitos de nós compartilhamos os defeitos coletivos, mas, entre segurar a onda de estragos e caprichar para dar mais emoção, se você prefere a segunda opção, eu preciso te contar um segredo: Ninguém ama os seus defeitos! Se são tolerados, é por uma atitude miúda que ainda não passou pelos seus pensamentos: Educação, cortesia, bom senso.
Não valorize seus defeitos não, ao contrário, se possível, coloque as virtudes na mesa para a alegria de quem está por perto.
Publicado em Conti Outra em 19/05/2016.

domingo, maio 15

Obrigada, mas não, obrigada!

Dizer não é um negócio muitas vezes complicado. Pelo menos para mim. Tem aquela coisa de decepcionar, frustrar alguma expectativa, fechar uma porta, um ouvido, uma relação.
Dizer não é romper com uma ideia, desistir de um plano, sequer considerar uma possibilidade. É apontar o sim para outra direção, virar os motores para apreciar outro horizonte. Dependendo de quem estiver na reta do não, eu sofro. Sofro mais de dizer um não do que levar um não para casa.
Coisas da vida, os nãos necessários e muitas vezes indispensáveis. Para criar um filho, se diz muito não; Para barrar uma criatura espaçosa, se repete mil vezes não; Para conter uma atitude anunciada de arrependimento, se diz a si mesmo: Não!
Mas o não, embora não pareça, tem um lado, sim, positivo e libertador!
O não fortalece e empodera quem se apropria dele com justiça.
O não autêntico machuca infinitamente menos do que um sim leviano ou um talvez indiferente.
O exercício de dizer e receber os nãos da vida é de puro fortalecimento. É uma conquista de extremo valor, e acaba de vez com as manhas e mimos que a gente insiste em trazer da infância, onde a birra e o choro resolviam a maioria das dificuldades. O adulto mimado e que não sabe ser contrariado é uma criança velha que ainda esperneia a cada não que lhe atinge.
Dizer não é fantástico! Opinar sobre o que não agrada, recusar o que não convém, declinar, desistir, mudar de ideia, ser tão espontâneo quanto a educação e o convívio social recomendam. Afinal, negar ou recusar algo não é motivo para trazer de carona uma grosseria.
Receber e acatar um não é respeitar a vontade alheia, entender que as vontades e ideias não se tocaram, não houve afinidade, sem se preocupar com intenção ou falta dela. Receber e digerir, essa é a parte que interessa. Ao outro, fica a responsabilidade que o motivou.
Por essas e por outras, se me perguntam se topo dizer um sim mentiroso a contrariar um afeto, respondo sem culpa alguma: Obrigada, mas não, obrigada!

Publicado em Conti Outra em 14/05/2016.

terça-feira, maio 10

A raiva bate na porta. Você abre?

Não abre? Mas que bobagem! Ela entra assim mesmo, mete o pé na porta e entra, forte, grosseira, insana. Melhor seria se tivesse sido convidada a entrar.
A raiva não sabe ser bem recebida. Ela quer briga, quer enfrentamento. Quer a razão, mesmo sem nenhuma razão. A raiva é de todos, frequenta todas as casas, algumas com uma frequência inacreditável.
Ela nasce de uma contrariedade, de uma topada, de uma negativa, uma esnobada, um objeto invejado. Ou ela nasce forte, explosiva, tempestuosa, ou tímida, sonsa, vingativa.
Todo mundo sente raiva. Mentira quem diz que não sente. Covardia de quem prefere se dizer superior. A raiva vem. Ela entra, ela se apossa, ela invade os melhores pensamentos e tira do sério as mais doces virtudes.
É normal sentir raiva. Como é normal sentir fome.
Não é normal cultivar a raiva. Nem segurar a raiva. Nem abrigar, fazer ninho, trancafiar, alimentar, engordar a raiva.
Ela chega, entra, bem-vinda ou não, e vai-se, depois de cumprido seu ciclo.
Tão natural como sentir sono e dormir. Não deixar a raiva ir quando ela já está passando, é como se recusar a dormir quando o corpo está implorando por descanso. É autoflagelo .
A raiva obrigada a ficar vira neurose. Fica compulsiva. Já não consegue mais escutar os argumentos e as explicações da vida.
A raiva liberada sem traumas vai embora silenciosa. Muitas vezes deixa um pedido de desculpas pelos excessos. Em outras, promete demorar a voltar. Oferece seu lugar à tolerância.
A raiva prisioneira se transforma em capataz dos sentimentos. Não deixa mais nenhuma virtude entrar. Mergulha a criatura em vinagre, chacoalha bem, diária e demoradamente.
Quando for inevitável, quando ela chegar e começar a se esparramar, vale tentar um truque que costuma dar muito certo: Abra a porta! Quanto mais bem recebida e mais compreendida, quanto mais aceita como normal e até necessária em alguns casos, mais breve será a visita, e mais comedida será a reação.
Afinal, educação e cordialidade deixam até os rosnados mais suaves.
Publicado em Conti Outra em 10/05/2016.

sexta-feira, maio 6

Momentos instantâneos que a gente quer rasgar e esquecer

Como fotografias arrependidas, daquelas que a gente gostaria de nunca ter tirado, que trazem lembranças doloridas, momentos difíceis, sorrisos forçados, retratos amargos.
Assim também os momentos, aqueles que, por vida própria, ou por falta de um comando mais enérgico, se fizeram donos da situação e estragaram uma conversa, magoaram um afeto, maltrataram um coração, despejaram amargor e ressentimento. Mesmo negando, se vieram de nós, somos os condutores desses momentos, somos os protagonistas desses instantâneos.
Era possível esperar um pouco, ponderar um pouco, calar mais um pouco, deixar a resposta para depois, segurar a palavra, a pedra, a sinceridade demasiada?
A gente precisa pensar nessa necessidade quase autônoma de se livrar das palavras, de falar tudo a qualquer custo, de tentar cegamente se esvaziar para lotar o outro, sem medir a força, sem considerar o retorno, sem prever o arrependimento das palavras instantâneas. A emoção é motivadora e também traidora. Depois de encher de coragem, ela recua e dá espaço à razão, que se aproxima desconfiada, fazendo perguntas e elaborando respostas, arrumando a bagunça e contabilizando os danos.
De vez em quando é preciso deixar o vazio atuar. Sem respostas, sem caretas, sem intenção de revidar. Grande parte dos instantâneos podem ser evitados. A gente se relaciona com gente igual, com emoções afins, com humores e com a falta deles. De ambas as partes. É preciso respirar, não apertar o botão, buscar o foco, o melhor ângulo e o mais justo argumento.
Sair por aí reagindo e atacando para todos os lados, assim como quem precisa em tudo ter seu carimbo, é sinal visível de insegurança.
Conseguir calar a uma provocação ou uma palavra mal intencionada, isso garante um sorriso seguro e uma fotografia bem enquadrada.
Evitar os instantâneos furiosos faz bem para a saúde e evita arrependimentos e fotos rasgadas ou apagadas.

Publicado em Conti Outra em 06/05/2016

domingo, maio 1

Pode me contrariar, eu dou conta!

E não é que na semana em que decido mudar de casa, arrumar um novo ninho, gastar as pobres economias com todo o aparato de mudança e pintura e uma coisinha aqui e outra ali, a lavadora resolve quebrar? Ela decerto não gostou da ideia, não queria sair do seu pedestal imponente; talvez tenha ouvido alguém comentar que iria para uma área externa.
Pois é, foi-se ela. Partiu dessa para um ferro velho melhor. E cheia d’água para dar bastante trabalho, sujeira e contrariedade.
E no mesmo dia a sandália arrebentou, o preço daquela mesinha que eu estava paquerando aumentou, a internet rateou, a paciência quase acabou.
Creio que um dos maiores desafios desse vida moderna, é o de ser contrariado. A tecnologia ainda reforça isso, instigando respostas rápidas, caminhos alternativos, decisões certeiras e instantâneas.
Mas a vida não é bem assim, e mesmo quem usa o mais top, fantástico e extraordinário equipamento, vez ou outra tem o seu chinelo arrebentado, ou sua internet congelada. Contrariedades…
Matutando sobre isso, decidi enxergar as contrariedades com uma outra lente, aquela mesma do óculos que já não serve mais, mas faz o feio ficar desfocado, mas bonitinho.
Contrariedade é como aquela pessoa decidida a te provocar. Uma, duas, várias vezes, até você explodir. Experimenta sorrir para ela e encarar até ela desviar o olhar. Acabou, você venceu.
Contrariedade é o professor que não quer testar seus conhecimentos, e sim te pegar num descuido. Ele pode até conseguir pegar, mas não consegue cumprir a própria missão.
Contrariedade é gente que sente prazer em contar notícia ruim, em provocar agonias e medos. Mas, se não houver quem ouça, o vento leva para longe, as notícias e as agonias.
As contrariedades já me viraram do avesso, me tiraram do prumo, da educação, da organização e segurança.
Mas a vida é isso! É botar o pé no chão e encarar o movimento que essa pisada provocou. Pode tudo dar certo, e, na maioria das vezes, dá mesmo. O que não deu, o que contrariou, vira experiência, vira bagagem, sabedoria.
Daqui para frente, e isso é uma promessa, elas vão chegar, fazer suas mandingas e bater em retirada. Não tem contrariedade que ouse me segurar!
Vai me contrariar? Pode vir que eu dou conta. E ainda mando a conta, se for o caso.