terça-feira, maio 30

Na ânsia de esconder defeitos, acabamos omitindo também as virtudes

Primeira olhada no espelho de manhã e lá está aquela espinha gigantesca, pronta para destruir o look do dia. E dá-lhe creme, base, pó, argamassa, o que for para esconder a intrusa.
Um descosturado no casaco, a botão que caiu, a unha quebrada, a carteira pelada, tudo a gente faz para esconder, para evitar as situações de constrangimento que podem, e se Murphy colaborar, devem aparecer pela frente.
Válido, por que não? Tenho todo o direito de não publicar o que me envergonha, e de fato, nos dias de hoje, talvez esteja literalmente falando de publicações nas redes sociais, mais do que qualquer outra forma de exposição.
Tudo bem, se não está agradando, é melhor tirar da vitrine.
Mas, e se me equivoco e passo então a esconder e maquiar as minhas melhores virtudes? E se, para conseguir aceitação, admiração, pertencimento, viro as costas para minhas melhores qualidades e assumo um tipo, um personagem?
Sem nos dar conta, estamos ficando cada vez melhores nisso. Por conveniência, por indolência ou por simples incompetência, estamos escondendo o que nos identifica, não estamos conseguindo nos respeitar como somos e abafamos o que não gostamos e até o que gostamos, para caber nos cubículos de cada padrão.
Está na moda pedir mais amor por favor, Ouvir a opinião alheia com respeito e sem agressões, isso já saiu de moda faz tempo.
Deixamos de lado nossas qualidades únicas para repetir como papagaios os bordões do momento. Deixamos de jogar gamão para ter mais tempo para os joguinhos solitários do celular. Paramos de surpreender as pessoas queridas com uma ligação e enviamos uma mensagem com carinha feliz, sapinhos e corações.
Adoro as conquistas tecnológicas, já não vivo mais sem elas. Mas me assusta o tabuleiro em que a massa humana está mergulhando, para virar um bolo só, não assumindo suas espinhas e virtudes.

Prometa-se o melhor

Declare-se apaixonadamente. Ame intensamente suas virtudes. Seja paciente com seus defeitos.
Quando feliz, irradie alegria, abra os braços, dê risadas sonoras, e, na tristeza, se cuide com carinho, um chocolatinho, um chá, um livro, bons amigos.
Prometa não se afastar da boa saúde, nem se entregar a qualquer doença sem lutar. Seja um sentinela a postos em favor do seu bem estar.
Desfrute das boas companhias até não poder mais. Delicie-se, aconchegue-se, peça colo, ofereça o seu também.
Não entregue suas fragilidades sob qualquer juramento ou promessas. Seja de confiança, confie nos seus julgamentos. Aposte nos seus palpites, defenda o seu bom senso.
Não permita que violem seu caráter nem seus critérios a não ser por sua vontade. Não se venda, não se liquide, não ponha preço, não pague qualquer preço para ser quem você não é. Ame-se de graça e com gosto!
Ignore julgamentos e críticas maliciosas. O mundo está cheio de juízes e conselheiros que não valem uma réplica. Devolva as ingratidões para o lugar de onde elas vieram, as espertezas, as vantagens aos que não vivem sem elas. Proteja-se das ilusões e principalmente dos ilusionistas.
Permita-se todos os dias um pequeno agrado. Uns minutos a mais no banho quente, uma mensagem para alguém bacana, um doce, uma passadinha na papelaria, um cinema no meio do dia.
Trabalhe de forma que o resultado seja admirável e o descanso, proveitoso.
Se convide para passear, para rodar o mundo, ainda que seja uma volta no quarteirão. Viva por inteiro, guarde o suficiente para realizar seus sonhos, não pague o preço do tédio nem da preguiça.
Não se afaste de si, jamais queira ser outra pessoa ou ter ao lado alguém para fazer as juras que você ainda não fez a si.
Não dispense afetos verdadeiros, mas não dê a eles a sua responsabilidade de ser feliz com o que tem no dia de hoje.
Faça juras de amor a si e torne legítima a sua relação de amor com a vida. A troca de alianças com o mundo lá fora será mais leve e fácil de escolher e entender.

sábado, maio 27

Querida mãe,

Amanhã é seu aniversário e meu presente será a saudade.
A mágica do tempo leva embora o luto e deixa as lembranças que identificam nossos papéis na vida.
Não foi fácil a nossa vida, não é mesmo? Você, de tudo o que passou, pouco ainda acreditava na felicidade. Eu, cheia de vontade de ser feliz, por muito tempo não tive capacidade de entender como doíam suas cicatrizes e o quanto você foi cortada e intimidada.
Você me deu o seu melhor, ainda que acompanhado de uma enorme rudeza, na estratégia de me preparar para as decepções da vida.
Tivemos momentos felizes. Breves. Eternos.
Sofremos de uma constante incompatibilidade de visões. Nadamos juntas no oceano da vida, ainda que jogando água no rosto uma da outra.
Uma mulher de um metro e meio, uma enorme e corajosa mulher. Enfrentou tudo o que se pôs no caminho, até mesmo os inimigos imaginários, frutos da história de dor e abandono.
Confiança era uma palavra difícil de assimilar. Ninguém é de confiança, você dizia.
Que mundo amargo e inimigo que você teve que desbravar! E me proteger, como sua missão.
Chegamos ao ponto de romper mil vezes, mas nunca o fizemos. Ainda bem.
Na doença, a vida nos deu a chance de nos perdoar mutuamente. A mim, me deu o tempo que eu precisava para te reconhecer, entender sua fragilidade e seu enorme medo de enfrentar as próprias emoções.
Sinto saudades de você. Sinto alívio por agora sermos mãe e filha que não se estranham mais. Sinto alegria por ter lembranças de todos os tipos. Sinto orgulho por ser quem sou e saber de onde venho. Sinto que tudo foi exatamente como deveria ter sido.
Somos uma família de mulheres que buscaram caminhos diferentes para desbravar a vida. Você, na força. Eu, na palavra. Sua neta, essa se parece bem com você, mas com o mágico toque da evolução da espécie.
Hoje, meu sentimento é de missões cumpridas. Ambas.
Comemorarei seu aniversário te contrariando, com muita alegria e nenhuma desconfiança por me sentir bem.
Te amo, mãe.

sexta-feira, maio 26

Apetite não é paladar. Apego não é amor.

O tempero da comida é a fome…
Não será que a privação, o desespero pela saciedade possa mascarar inclusive o gosto da conquista?
Matar a fome é imperativo. Sentir prazer, apreciar a comida, escolher o que mais agrada, aí já outra experiência.
Na urgência de nos apegarmos a alguém, confundimos apetite com paladar. Queremos rápido, correndo, para ontem. E, nessa urgência, achamos que o que estiver disponível servirá. Já com as necessidades imediatas garantidas, então queremos qualidade, personalidade, exclusividade. E não será na bandeja rápida do lanche da esquina que teremos tudo isso.
A fome é urgente. O paladar, escolhe e espera para ter o que deseja. No apego, a carência morre de fome. No amor, a liberdade é o tempero mais forte.
Quanto mais tempo passa, mais a fome aumenta. Mas não é porque ela aumenta, que qualquer coisa vai servir, ou, que se deve comer mais do que a conta. Como nas relações, o apego não pode abocanhar nenhuma individualidade. Mesmo que a fome seja intensa.
Querer tudo e querer depressa já demonstra uma desorganização que certamente irá comprometer qualquer equilíbrio que queira se instalar. Apego que se fantasia de amor é sentimento faminto louco para devorar o outro. E sem restrições, critérios ou culpa.
Se conhecer, entender e aprimorar as preferências. Ir mais fundo no que se aprecia, buscar pares e simpatias. Isso é conhecer o paladar. Para comer e para amar.
Lembre-se de quando estiver com muita fome e acreditar que qualquer coisa será um alívio.
É possível que depois da saciedade, venha uma tremenda indigestão.
Nos encontros da vida, também.

quinta-feira, maio 25

Dica: A vida jamais corresponderá às nossas expectativas, mas sempre às nossas necessidades.

Crie dinossauros, mas não crie expectativas. Com muitas variações, a frase volta e meia aparece na nossa vida como uma grande verdade.
Não sei se concordo plenamente, já que expectativas me parecem pontos de luz no céu nublado e já conhecido. Desejos, ensejos, esperanças. Todos parentes próximos das expectativas.
A gente se antecipa, quer adivinhar, e, se possível, ajeitar, manipular. Um movimento saudável, assertivo, vivo. Que mal há nisso?
Mal não há, definitivamente.
Ruim é se recusar a entender que a vida não dá muita bola para nossas expectativas, mas sim para nossas necessidades. E ainda bem que é assim. É uma puxada na corda para nos fazer voltar ao que é possível, cabível, aceitável.
Porque nós voamos. Voamos nos sonhos, nos ensaios, nas antecipações e simulações. E tendemos a exagerar. Piramos, achamos que tudo merecemos, que não podemos ser contrariados. E a vida dá corda até um certo limite. Se ultrapassado, vem o tranco da corda puxada de volta.
Como é importante ponderar! Como é saudável deixar de lado planos e expectativas megalômanas e alimentar somente a certeza de que a vida é justa no que precisamos e, com o que precisamos, podemos transformar tudo o que desejamos.
Não é preciso abandonar as expectativas. Somente reconfigurá-las. Entender que a realidade é tão maior e mais abrangente que nossos sonhos pessoais, que envolve tantos outros personagens e situações, que seria de fato impossível nos atender por completo sempre que um novo desejo surgisse.
Quanto às expectativas em relação ao outro, fica a pergunta para respostas anônimas e pessoais: Quem sou eu para pretender que o outro me corresponda apenas baseado nas minhas expectativas? Forte né? Pois é.
Ainda bem que a vida dá corda e puxa. Um dia a gente aprende.

Um dia assim, sem maiores pretensões, mudei!

Acordei assim, igual. E fui fazendo o de sempre, assim, igual.
Mas, num piscar de olhos, numa olhada rápida no espelho, mudei.
O que determina essas pequenas mudanças de ritmo, pensamento, disposição, ânimo? A gente percebe que mudou, que algo se alterou, uma sintonia nova conectou, mas não faz nenhuma associação.
Mudar é estado natural. Mudamos o tempo inteiro. Nem sempre para melhor, mas mudamos. Quando percebemos, então levamos o susto. Porque não gostamos muito de sair do lugar.
A gente muda sem querer, muda porque é preciso se adaptar. E quando a gente resiste e se recusa, a gente sofre. Sofre por não querer mudar e sofre ainda mais por estar no processo de mudança.
E sempre que a gente anuncia que vai mudar, pouco muda. Porque a exigência fica enorme e a resistência, maior ainda.
Mudar é se equilibrar. É viver num mundo por vezes maravilhoso, por outras, inóspito. Mudar é ter jogo de corpo, a mente aberta, sentimentos suaves e apegos saudáveis.
Sem pretensões, as mudanças chegam. E quando são boas, ainda nos colocam sorrisos no rosto, daqueles que a gente nem sabe o porquê.
Por isso é tão importante buscar conexão com o que nos faz bem. Companhia, palavras, histórias, parcerias. Os espelhos por onde apreciamos nossas melhores mudanças.
Todos os dias podem ser iguais, mas nós, os protagonistas dos dias, estamos em constante mudança.
Não nos esforcemos para continuar iguais. Não vale a pena todos os dias fazer uma combinação diferente de roupas, sapatos e acessórios, e continuar vestindo as mesmas ideias e inspirações do dia anterior.
Quanto mais a gente muda, mais a gente cresce, e menos assustadora será a imensidão do mundo que ainda não conhecemos.
Permita sempre que um dia assim, sem maiores pretensões, traga os ventos de mudança.

sexta-feira, maio 19

Se é meia idade, por que certezas inteiras?

Esse texto é uma catarse pessoal, um questionamento de quem vive a tal meia idade e ainda se contorce em dúvidas de principiante.
Essa exigência da dobradinha experiência e sapiência é um fardo pesado de ser arrastado. Na verdade, mesmo com uma lista recheada de vivências, creio que intuímos muito mais do que recorremos aos arquivos passados. A vida é dinâmica demais para usarmos sempre as mesmas fórmulas. E, o que eu era antes, já não sou mais hoje.
A vida sempre foi ensaio e erro. O que funcionou para um, pode ter sido um desastre para outro. O conselho dado valeu sempre mais pela boa vontade e acolhida, do que pela eficácia no resultado.
Meia idade é um bom tempo, mas não é passaporte carimbado para certezas e convicções imutáveis. Tenho dúvidas todos os dias. Mudo de ideia muitas vezes. Meu prato preferido muda o tempo todo.
Quando a gente cria filhos, aprende a dar respostas. Mas dúvida também é resposta, e nunca me obriguei a responder com certeza, o que ainda me era dúvida. E, surpresa! Muitas respostas chegam quando se compartilha uma dúvida!
Nasci na época do telefone com fio e disco, da TV de válvula, do toca discos com agulha.
Se tivesse a certeza de toda a evolução que presenciaria, talvez não tivesse tanta curiosidade e tanta sede de viver para ver o futuro. E, naquela época, só tinha a certeza de que os desenhos futuristas que assistia na TV de válvula, eram somente o fruto da imaginação de alguém. E hoje somos todos Jetsons.
Portanto, fica agora a conclusão de que, aos 50 anos – a dita meia idade – não sou obrigada a ter certeza de nada, embora guarde algumas com muito carinho. Estou na vida para fazer perguntas e interpretar as respostas que chegam, ainda que temporárias.
Certeza mesmo, só de que tenho muitas dúvidas sobre o final, e se ele existe mesmo.

Bem me quer, mal me quer, não me quer. Um adeus às ilusões.

Viver na dúvida, entregue às fantasias e interpretações de sinais imperceptíveis e questionáveis. É o que fazemos na maioria das vezes, temendo que a realidade nos decepcione e destrua os sonhos caprichosamente alimentados.
Preferimos montar o cenário e inserir o amor lá dentro, ainda que por vezes não combine com a proposta. Preferimos decorar a realidade a encará-la sem pintura.
Bem me quer, mal me quer. Não me interessa saber a categoria do querer, se construí um castelo indestrutível para o amor que tanto sonhei. E, se for preciso, manipularei as pétalas para que me mostrem o resultado que espero.
Uma pena que a vida não funcione desta maneira. As pétalas frágeis podem ser arrancadas e escondidas, mas ainda mais frágeis e sem estrutura, são as ilusões.
Elas fazem o papel de analgésico muitas vezes, por não suportarmos a dor da indiferença ou do desamor, mas não conseguem nos sustentar por muito tempo.
É preciso deixar as ilusões partirem, levando as portas, janelas e jardins do castelo construído, deixando tudo descoberto e à vista, para entender por onde começa a reconstrução.
Querer não é poder. Querer é só metade da força para uma construção. Tem um outro lado que também precisa querer e oferecer seus esforços para coisa funcionar.
Se nos deparamos com o “não me quer”, por mais que doa e decepcione, não haverá ilusão ou sonho ou vontade que transforme o terreno baldio em um lugar bom para se viver.
Sonhar é gostoso. Conforta, dá esperanças, boas ideias, sugere o futuro. Mas sonhar por dois, depositar esperanças, tempo e vontade em um projeto solitário, é doloroso e decepcionante.
Nesse caso, ao invés de consultar as pétalas, melhor é deixar as flores vivas e inteiras, e aprender a lidar com o “não me quer” sem transformá-lo em “mal me quer”.
O bem me quer logo chegará!

terça-feira, maio 16

O que uma viagem pode fazer por você

Pode ser para muito longe ou logo ali. Pode durar meses, ou um final de semana. Ser viagem cinco estrelas, executiva ou mochilão. Para conhecer um novo lugar, esquecer uma história, comemorar, descansar, trabalhar…
Sair do lugar comum, literalmente, e ir para um lugar incomum, desconhecido, desafiador. Desarrumar a rotina, tentar adivinhar o que será, colocar os pertences dentro de um armário com rodinhas, e ir viver outros ares, pelo tempo que conseguir.
As viagens nos levam a lugares, sensações e estados de consciência que jamais reparamos. Uma vez longe de casa, nos transformamos. Nos damos conta do quanto somos adaptáveis ou não, sociáveis ou não, parceiros ou não. Uma situação que nos tira da zona de conforto, e, ao mesmo tempo, nos coloca na terra das novidades.
Nos enxergamos melhor usando espelhos diferentes. Uma viagem nos apresenta paisagens, pessoas, comidas, costumes. De tudo que vemos, é impossível não fazer comparações, não perceber identificações, não se modificar ao menos um pouco.
Fazemos de totais desconhecidos, amigos. Muitas vezes para toda a vida. Elegemos lugares impensados, como preferidos. Lembramos de pessoas queridas. Desejamos que estivessem conosco. Ficamos nostálgicos.
Experimentamos sabores e costumes diferentes. Observamos o fluxo de gente. Como se cumprimentam, as expressões nos rostos, o que comem, como se divertem. E entendemos que somos todos iguais, no final.
Viajar é dar um sossega leão no fluxo da vida. Reprogramar, aliviar, repensar.
Viajar é ficar longe para sentir saudade necessária.
Viajar é se sentir bem o suficiente para ir e voltar, e saber que o mundo funcionará muito bem na nossa ausência.
Viajar é fechar a mala e abrir os braços para o mundo. E voltar melhor do que partimos.
Havendo oportunidade, boa viagem!