sábado, janeiro 30

É proibido estacionar

É proibido estacionar nas curvas do ressentimento, das mágoas, da raiva, do desejo de revanche. É permitido percorrer todo o caminho, tanto por fazer parte do aprendizado como pela experiência que ele traz, mas é proibido estacionar.
É proibido estacionar na contramão dos desejos, esperanças, planos e conquistas. É preciso ir em frente, mesmo com obstáculos e paradas não planejadas.
É proibido estacionar nas ladeiras da ansiedade, do medo, do desespero. É preciso usar a potência máxima para superar a dificuldade e enfim chegar a lugar plano, seguro, confortável, com bela vista e onde se respire ar e pensamentos saudáveis.
É proibido estacionar em fila dupla, especialmente ao lado de pessoas negativas, contrariadas, enfezadas, descontroladas. É permitido fazer algo por elas, tentar encorajar, mudar o sentimento, mostrar outros caminhos, mas nunca estacionar ao lado, parar junto, enguiçar na fila que não anda e não deixa andar.
É proibido estacionar nas vagas reservadas ou especiais, ainda que se sinta especial e privilegiado. É expressamente proibido não prestar atenção nas necessidades e particularidades alheias; não se dar conta dos direitos alheios e não enxergar o outro no seu próprio espelho.
É proibido estacionar na vida alheia, ocupar um espaço que não lhe pertence, tomar para si um direito ou sentimento que já encontrou outras afinidades e felicidades.
É proibido bloquear a passagem, ficar atravessado impedindo progressos, não pedir desculpas ao cometer erros e imprudências, buzinar frustrações nem critério ou educação, bater portas e bocas com violência, atropelar sentimentos.
Sujeito a multas, reboque, culpas e muita solidão.

sábado, janeiro 23

Grama de plástico

E eu me deixando contaminar pelo verdinho brilhante e viçoso.
E eu querendo morar no lugar que não era meu só por parecer mais bonito e feliz.
E eu pensando no que de errado poderia estar fazendo por não ser capaz de apresentar um cenário irretocável.
E eu achando que só seria feliz no dia em que conquistasse a mesma perfeição… ou mais.
E eu consumindo todas as forças para ser da mesma maneira, para obter as mesmas conquistas, para tomar a ferro e fogo o jardim alheio.
E quando cheguei bem pertinho, já à beira da exaustão e frustração, reparei que era tudo de plástico. Que desânimo, que desilusão!
Mas como tudo na vida traz consigo a chance do aprendizado, olhei para trás, recuperando o fôlego e me preparando para a volta.
E ao olhar, de fora do meu lugar, percebi a lindeza do meu mundo, o que floresceu sem que eu desse a devida importância, o progresso do meu jardim, a sombra gostosa de uma vida inteira, de momentos e memórias.
Percebi meus afetos, minha companhias. Quem jamais me abandonou, ainda quando eu só tinha olhos para flores de plástico.
Percebi que algumas conquistas que plantei não vingaram, e assim foi melhor, pois engoliriam as menores e mais delicadas mudas da minha independência.
Só então notei a luz que nutre o meu terreno, a importância  das folhas mortas e secas, a vida que cresce e se alimenta de todas as imperfeições de um jardim natural, de uma risada sincera, de olho no olho, mãos entrelaçadas, vidas que escolhem ficar próximas para enfrentar a ventania e os temporais.
E eu que achava que nada poderia estar fora de lugar, se eu quisesse uma vida perfeita.
E persegui uma ilusão.
O jardim que eu cobiçava, era frio e de plástico.
No meu quintal bagunçado, é onde sou feliz.

quarta-feira, janeiro 13

Viagens são sonhos que nos realizam

Cada viagem deveria ser comemorada e guardada na mais preciosa estante das memórias. Qualquer viagem, qualquer ida a um lugar que não o nosso, por qualquer razão, durante qualquer período de tempo, com qualquer companhia.
Viajar é conhecer o desconhecido e descobrir-se nem tão conhecido assim. Fora do contexto seguro e rotineiro, nos damos conta de um sem número de características, manias, coragens e fobias que seque sabíamos que habitam em nós.
E a coisa vai ficando mais profunda a cada viagem, como as malas que aprendemos a fazer com muito mais eficiência depois das primeiras tentativas, quase sempre exageradas e equivocadas. Numa viagem, entramos em contato conosco de um jeito único, solitário, ainda que estejamos em grupo ou família. Todas as expectativas do desconhecido nos animam e podemos perceber reações incríveis que jamais sonhamos ter. Outro cenário, outra cultura, outro idioma ou sotaque, nossa zona de conforto deixada em casa, junto com nossos objetos e móveis. Como administramos o que levamos conosco e que queremos levar como recordação.
Viajar é pirar na casa do outro. É mudar os hábitos de toda uma vida, comer em outros horários, conviver muitas vezes com um fuso maluco, fazer longas e exaustivas caminhadas para engolir de lembranças uma cidade inteira. É pensar em quem não veio junto e adoraria estar também, é sorrir para as pessoas sem se dar conta de que o momento mágico é só seu, é penetrar na rotina alheia como expectador que entra no cenário do filme predileto.
Viajar deveria ser obrigatório! Pelo menos uma vez de quando em quando. Viajar faz parte da educação de um indivíduo, do seu crescimento, visão e sentimento.
Não importa a classe da viagem. Não conta se o orçamento é apertado. Não há problema se as roupas não combinarem e for preciso improvisar. Uma camiseta usada ao avesso é detalhe, ponto para lembrar e contar aos amigos no retorno, vendo as fotografias. É justamente nas viagens que a liberdade tem mais liberdade para se expressar.
Importante é viajar. Essencial é ir. Sensacional é aproveitar. Fenomenal é se conhecer e reconhecer a importância dessas idas e vindas na vida.
Boa viagem.

Publicado em Conti Outra em 13/01/2016

segunda-feira, janeiro 11

Dê chance à esperança de se fortalecer

O cenário pode não ser dos melhores, as informações chegam numa velocidade absurda, impossíveis de serem processadas em sua maioria, as guerras nos tempos atuais nos deixam cada vez mais pesarosos e impotentes, assistindo à barbárie que não tem fim, a ganância continua a produzir efeitos devastadores à humanidade… É desalentador.
E, não fosse o bastante, cada um carrega seus próprios conflitos, medos, traumas e insatisfações. Se alguém ousar parar para pensar e perguntar o sentido disso tudo, o leque de respostas cabíveis pode ser desalentador. E quando a gente se pega perguntando o sentido da vida, o por que de lutarmos tanto e por tanto tempo, via de regra o que nos sustenta e fortalece é a esperança de dias mais leves e melhores, de menos sofrimento no mundo, de momentos desfrutando a tão sonhada felicidade, que perseguimos no sentido contrário do relógio, já que o tempo leva tudo consigo, até mesmo os momentos mais preciosos.
A ótica pessimista diz que não faz sentido algum empreender qualquer esforço, já que o final é esperado e ninguém nos livrará dele. Quanto menos envolvimento, menos sofrimento. Há quem prefira.
Contudo, é inegável o efeito dos mágicos momentos felizes de uma vida. A inebriante e gratificante sensação de pertencer ao todo, de compartilhar a vida com afetos queridos, gerar um filho, acompanhar seu crescimento, suas conquistas, ter um amigo por perto, atravessar uma ponte, um estado ou um oceano para encontrar alguém querido. E por esses e todos os milhões de sentimentos que avivam a alma, novamente a esperança se fortalece. Novo olhar é lançado sobre o mundo, novos desejos de construir e colaborar por uma vida melhor para a humanidade.
Quando estamos felizes, queremos o bem de todos. Quando estamos plenamente felizes, sequer admitimos a ideia de deixar alguém sofrendo. É a felicidade que nos liberta e é a esperança de que a felicidade está por perto que nos conta qual o sentido para todas as vidas. Ela é aliada e cúmplice, e não desiste fácil, apesar de enfraquecida e cansada de ser trocada pelas mazelas do mundo.
Não é uma questão de utopia, mas de lógica. Em vida, que seja uma vida desperta, atuante e ativa, fortalecida de esperança. Com ela por perto, consegue-se enxergar o lado bom, o sentido.
Depois, tudo vira história e memória. E cada um conta a sua, do jeito que viveu.

Publicado em Conti Outra em 11/01/2016

domingo, janeiro 10

É preciso coragem para não optar pela covardia!

Uma luta entre a virtude e a vantagem.
Passa assim despercebido, quase imperceptível pela maioria de nós, mas é fato que temos incontáveis maneiras e oportunidades de optar por gestos covardes, todos os dias, com muita gente. A covardia de quem tira vantagem de uma insegurança, uma incerteza, um descompasso, qualquer brecha a ser aproveitada. E é preciso muita coragem para declinar. E algumas vezes nem tempo dá, de tão viciados que já estamos em praticar covardias, ou, provocá-las, para instigar alguma culpa.
Não somos espontâneos o tempo todo, e de fato maquinamos muitas situações, diálogos, brigas e discussões que ainda nem aconteceram, mas nos agrada a prevenção. E nessa preparação, é inevitável pensar nas fraquezas alheias, no que mais pode tocar e atingir o nosso alvo. Muito tempo se gasta com planos e estratégias. Muita força se usa, muita criatividade e malícia para praticar um ato covarde, que explora a fundo qualquer fraqueza exposta e a balança para o  mundo, como uma bandeira de vitória.
O jogo da vida é complexo e as regras, loucas. Contudo, é essencial buscar um código de ética que nos abrigue e nos oriente por caminhos mais honestos e transparentes. Para o nosso próprio bem. Para não desintegrarmos.
E se a covardia é no mínimo uma decisão obscura, no momento dessa decisão é que a coragem precisa ser evocada.
Coragem para não humilhar alguém em posição inferior, e, ao contrário, colocar-se em seu lugar; coragem para não trair confidências e segredos confiados, mesmo que as vantagens sejam tentadoras; coragem para defender injustiçados, para pedir desculpas e desculpar; coragem para se responsabilizar por decisões, opiniões, julgamentos, manipulações e apelos.
Coragem para pensar com coragem e não com covardia.
Não tramar. Não esconder. Não tirar vantagem. Não trapacear.
É fácil? Não, é uma escolha duríssima! Uma luta pesada!
Contudo, e por todos os exemplos que já passaram pela humanidade, ainda está valendo buscar aquela coragem enferrujada e esquecida, utópica, esperançosa, ética e libertadora.
Sem dúvida alguma, se houver qualquer arrependimento, ele não virá de braços dados com a culpa. E essa liberdade, essa só se apresenta com muita coragem!
Publicado em Conti Outra em 10/01/2016

quinta-feira, janeiro 7

Porque a pausa é tão importante como o caminho

Parar.
Descontinuar, desacelerar, pausar.
Porque para dar continuidade, é preciso pausar, senão o fio enrosca, a tinta seca, o elástico arrebenta, a energia finda, o amor se cansa.
O tempo nunca para, mas também não sente, não muda o ritmo, não desiste.
Nós, pessoas que vivemos dentro da dança do tempo, precisamos sim de pausas e descansos para retomar a marcha que sai do planejado. De vez em quando fugimos do prumo, da rota, perdemos a bússola e deixamos a vida à deriva. Não encontramos a motivação, sentimos medo, sofremos temendo que será definitivo, que por fim fomos rendidos pela exaustão. Mas não. A vida só está exigindo uma pausa.
Pausa para retomar as forças. Encher os pulmões e o peito de coragem.
Pausa para encadear os pensamentos. Renovar o que vale, descartar o lixo.
Pausa para sentir saudades de um afeto. E para fazer falta também.
Pausa para estar só e sentir-se só. E estar a sós para refletir.
Pausa para descansar, para relaxar, para delirar, contemplar, descomplicar.
Pausa para entender que as pausas são a reposição do fôlego perdido nas perdas, sejam elas de tempo, energia, dinheiro, esperanças, ilusões, confiança, fé, inspiração.
As pausas renovam e curam. O ritmo se reestabelece, as cores voltam, e com elas, a motivação para encarar o novo. Sim, porque o novo só chega após uma pausa. Porque uma emenda dificilmente se sustenta, porque um remendo será sempre a parte mais frágil de um todo. Porque é preciso romper para recomeçar, findar os ciclos, finalizar pendências, zerar o relógio e fechar a boca por alguns instantes. Deixar o silencio formular as respostas que ainda não temos em palavras nem atitudes.
Pausa não é adeus. É tchau, vou ali em outra sintonia encontrar comigo a sós e então volto com respostas e planos para o futuro.