sábado, abril 30

Seja gentil com as chances que a vida oferece

E são milhares, todos os dias, o tempo todo. A cada instante que decidimos por isto ou por aquilo, estamos usando uma chance. E tudo pode dar certo, mas também pode não dar. Assim é, as chances são nossas, desenrolar e resultado do uso de cada uma, já depende de um monte de circunstâncias.
Não vale mais culpar as chances que a vida oferece só porque não funcionaram como foram arquitetadas. Pegar uma chance é pegar as rédeas de um cavalo que só terá direção, velocidade e destino, conforme o comportamento de quem o guia.
Algumas chances são traiçoeiras, brincalhonas, inconsequentes. É preciso ter atenção. Outras chances são brilhantes, únicas, justas na intensidade e tamanho. Essas, podem ser agarradas com paixão.
Outras ainda, são mensageiras de outras que ainda virão, se o caminho estiver livre, se forem bem-vindas, se forem desejadas. É necessário delicadeza e respeito.
As chances estão por aí, para o lado que virarmos haverá sempre uma, mas nenhuma responsabilidade por ser atribuída a uma chance. Elas simplesmente estão. Tocá-las, se apoderar delas, rejeitá-las ou ignorá-las, é escolha assumida e individual.
As que nos levam a caminhos perigosos, a terras e atos que deveriam ser evitados, essas são as que merecem mais gentileza e consideração, já que são as que acendem as luzes do bom senso e discernimento em nós.
Não há chance boa ou ruim, assim que não há acordo bom ou ruim. Tratado é tratado, não é caro nem barato. Quem não gosta de pimenta, que jamais peça um acarajé quente!
Assim são as chances, disponíveis e apetitosas, mas cada qual que pegue a que mais lhe convém, use-a gentilmente, trate-a amigavelmente e retribua honestamente.
Publicado em Conti Outra em 29/04/2016

quarta-feira, abril 27

Desânimos exaltados

Vez por outra chega de mansinho aquela fase viscosa, nebulosa, preguiçosa, que se instala devagar, e devagar se demora a retirar.
São as notícias do mundo, é aquele projeto que ainda não decolou, os papos andam repetitivos, a política mostrando um cenário desolador, as notícias infelizes a trágicas golpeando de vez o pouco otimismo que ainda teimavam em resistir.
E, como acontece na moda, subitamente um monte de gente amanhece vestindo o mesmo estilo, as mesmas cores, o mesmo corte, o mesmo desânimo. É um fenômeno coletivo, inevitável, temporal.
A moda ao menos sinaliza uma outra proposta, mas esse desânimo, essa desesperança, esse enorme e profundo cansaço, se possuem alguma utilidade ou propósito, estão soterrados na massa de bordões e lamentos que segue em repetição.
É a temporada dos desânimos exaltados. E então não há boa notícia que quebre facilmente esse ciclo; não há otimismo rebelde que esquente cadeira num cenário de ânimos gelados e endurecidos.
Triste é pensar que o tempo nada se importa com essas férias forçadas do bom senso, e continua seu caminho, passando e levando as horas, os dias, anos, vidas.
O desânimo congela, paralisa, imobiliza. Nada se ganha com as intermináveis ladainhas, nada se lucra com a desesperança.
A vida não é fácil, mas ainda não é morte.
A política nos assombra, mas ainda cabe luta.
Brutalidades são cometidas, mas ainda sabemos discernir.
Decepções acontecem, mas a vida é assim. E ainda não é morte.
Os desânimos exaltados só possuem serventia para quem o que nos preferem fracos, sem reação, sem noção.
Se o momento não é favorável, que sejamos parte da engrenagem que o fará passar mais rápido. Se as notícias são tristes, que busquemos e propaguemos as boas, porque elas existem e ainda não capazes de encher os olhos mais vazios, com muita emoção. Caso contrário, é só deixar o tempo passar, e nos levar.
Publicado em Conti Outra em 27/04/2016.

terça-feira, abril 26

Espelho meu, me mostre além das aparências

Espelho meu, você só me mostra o que quero ver. Você não mente, é crítico, implacável, criterioso, mas só retrata o que posso ver e, com sorte mudar, com outra roupa, outro jeito de o usar o cabelo.
Quem me mostra o que sou além do que é possível ver no espelho, é o outro. E, por generosidade, indiferença ou mesmo omissão, geralmente não deixa transparecer meu reflexo tão claramente, pois decerto eu me assustaria.
A gente se conhece tão profundamente quanto conhece um motor de propulsão de um foguete. Desejar se conhecer é uma coisa. A gente estuda, se aprofunda, usa as ferramentas, mas a parcela de conhecimento é ínfima.
Analisamos as descobertas como juiz e parte. Ou nos exaltamos, ou culpamos.
Se a auto estima estiver boa, a gente se admira, se baixa, se despreza, se abandona.
Se reconhecer é um divisor de águas. O espelho se torna acessório inútil, como um óculos sem as lentes.
Se reconhecer é se conhecer por detrás das palavras, do verniz social, do comportamento coletivo. É captar as sensações instantâneas que cada impulso provoca. É ser causa e consequência das mais encantadoras virtudes e mais desprezíveis defeitos.
Se reconhecer é conhecer de forma lúcida o que se é, ainda que lutando para ser de outro jeito.
É possível conhecer minimamente o outro, tamanha a exposição, e de tanta observação, mas a si mesmo, aí já é outra questão.
Só mesmo esse outro, que achamos conhecer bem, para nos mostrar, ainda que através de códigos e sinais, como nos contemplar no espelho que vai além de qualquer aparência.
Publicado em Conti Outra em 26/04/2016.

sexta-feira, abril 22

Das vezes que aprendi com um não

– Não, você não pode sair com essa roupa, porque não te cai bem, ou está provocativa, ou te engorda, ou me aborrece.
Aprendi a sair como bem entendo, sem pedir opinião ou aprovação.
– Não, você não deve tocar neste assunto, porque vai provocar polêmica, ou porque não é de bom tom, ou incomoda, ou simplesmente não interessa a ninguém.
Aprendi a selecionar com quem trocar ideias e questionamentos.
– Não, você não se enquadra neste cargo, apesar de ter experiência, conhecimento e o perfil adequado, mas estamos procurando alguém mais provocador, impetuoso, ambicioso e tudo mais.
Aprendi que com o tempo, provavelmente eu também estaria procurando algo menos agressivo.
– Não, você não é a pessoa ideal para mim.
Aprendi que correspondência de sentimentos é algo que não se manipula nem se obriga. Que os nãos são a forma mais honesta e delicada que pode haver, sempre preferíveis às mentiras e desculpas covardes.
Mas não, eu não desanimo com esse monte de nãos, e todos os dias constato que eles puseram em outro patamar de raciocínio e pensamento sobre a vida e até onde as pessoas são totalmente isentas de fazer as minhas vontades.
A minha vontade vai esbarrar milhares de vezes com um sonoro não, mas agora ela já consegue fazer a curva, contornar o obstáculo e seguir em frente.
Os nãos que antes soavam como pedras, agora posso reconhecer como boias que não me deixaram afundar em vontades mimadas e incapacidade de lidar com uma contrariedade.
E eles se apresentam todos os dias, delicada ou grosseiramente. Mas aprendi a sorrir para eles e dar passagem para que liberem o caminho que pretendo seguir, cuidadosa mas não rancorosa.
Publicado em Conti Outra em 22/04/2016.

segunda-feira, abril 18

Quem tudo quer, tudo perde

É um esforço gigantesco querer tudo, ser o primeiro em tudo, ganhar a maior fatia, ter a preferência, todas as medalhas de ouro, troféus, amores, a vez, o melhor presente, a vida mais perfeita.
Quem tudo quer, mostra claramente que não há espaço para o outro que não seja na sombra dos seus triunfos. Ninguém jamais estará ao lado. Se estiver na frente, é alvo. Atrás, seguidor.
O vencedor de tudo é solitário, encarcerado em suas glórias, ostentando status de um assento somente. Ninguém senta ao seu lado. Ninguém o olha nos olhos.
Quem tudo quer, abre mão da generosidade em prol de um acúmulo de bens, moedas, pertences, coleções, poder, solidão.
O conquistador absoluto quer por querer, para que o outro queira e não tenha, para passar a vida contando, recontando e escondendo.
Quem tudo quer, quer para ter, não para ser. Quem tudo quer, entende que o excesso alimentará todos os seus vazios, a sobra esconderá todas as faltas.
Quem tudo quer, perde a vida para um gincana insana, acumula além das conquistas, fadiga, desafetos, mágoas, distâncias.
Quem quer toda a razão, distorce o senso de justiça.
Quem quer toda a atenção, lança mão de apelos patéticos.
Quem quer todo o poder, luta contra a igualdade.
Quem tudo quer, atropela sonhos alheios, afetos mais delicados, relações familiares, derruba árvores para construir muros, explode anseios, ignora o bom senso, manipula a ética.
Quando tudo quer, se perde, se desintegra, se transforma em alguém que seria seu pior inimigo ou seu maior desgosto.
Quem tudo quer, tudo perde, e o mais triste é não perceber que a mesma ambição que motivou por tanto tempo, se fosse um tanto mais comedida e andasse de mãos dadas com outras ambições, lado a lado, se transformaria num grande e valioso ganho.

quinta-feira, abril 14

E por falar em histeria...

Acordei febril e com a garganta arranhando. A essa altura, já produzi um lote inteiro de sintomas, só não perdi os sentidos porque não faz sentido adormecer essa histeria. Ela quer mais é acordar e ganhar o espaço que acha que merece.
Afinal, a gente se apega, se dedica. Cabeça é um troço que não tem freio.
Aguardo sentada, sofrida, histérica, a evolução da coisa toda. Ou não… muitas contas para pagar, muitos incêndios para apagar, muitos lances para dar.
Histeria é aquela reação que nem você imaginava que pudesse ter, aquele descompasso da música, uma bagunça completa, em se tratando de lógica, intensidade e volume.
A histeria barulhenta é facilmente identificada, quase sempre vem acompanhada de um mar de choro e promessas até de convulsão. A silenciosa grita por dentro, poupa os ouvidos alheios mas ataca sem piedade as paredes do estômago, da garganta, da alma.
A histeria é um animal nervoso que não admite ser contrariado nem encurralado. Ainda que um substantivo feminino, não é exclusividade nossa, nem de longe!
É uma doença, é nervosa, convulsiona, paralisa, neurotiza.
A histeria é uma emoção que não sabe se comportar. Se instigada, dá vexame. Se revelada, nega ruidosamente. Se ignorada, desfila para se fazer presente.
Mas ela também se apresenta serena, suave, de voz macia e sorriso ameno. Essa é feroz, pode crer!
Quem de nós ainda não experimentou essa sensação de descontrole e desautonomia, não sabe o que é ouvir a própria voz e não reconhecer o timbre, se descobrir fora do tom.
Melhor tentar manter as janelas fechadas e a casa interditada para esse tipo de visita.
E se aquela angustia começa a apertar sufocar, se possível, corramos para o caminho que mais nos alivia, corramos para os braços de quem mais nos conforta, corramos para longe desta senhora pegajosa e estridente.
Publicado em Conti Outra em 14/04/2016

quarta-feira, abril 13

A terra de onde viemos

A terra dos nossos pais, quando não é a mesma que a nossa, tem valor e sabor especial para as nossas vidas. Mesmo que não saibamos ou não reconheçamos, ainda ou jamais.
A terra dos nossos pais, seja ela onde for, é o berço onde nasceram seus primeiros sonhos, é o cenário das primeiras impressões de suas vidas, é o lugar onde juntaram e trouxeram seus costumes, frases prontas, memórias e certezas, ilusões e esperanças.
Não participamos desse pedaço de vida, chegamos quando já estava desenhado. Quantas vezes nos pegamos dando risada e nos envergonhando deles, tão e simplesmente por se expressarem do jeito que aprenderam. Seus sotaques, particularidades, educação, paladar, sem contar a diferença de geração.
Acaba por ser uma mistura perigosa para quem começa a aprender a vida e percebe o choque que isso produz.
E o caminho inverso é da mesma forma. Se um deles saiu de sua terra para continuar a vida em outra, também se assustou e se intimidou, até se amuou com a nova realidade. Mas eles se esforçaram, engaiolaram seus medos, muitas vezes reprimiram seus sotaques e costumes, somente para garantir uma imaginada adequação.
Hoje, pela primeira vez depois de tantos anos, na terra que criou minha mãe, sinto uma ponta de vergonha pelas vezes que não considerei seu berço, pela insistência em imitar o seu sotaque, pelo valores que ela trouxe consigo e são meus valores também, afinal.
Hoje, na terra que criou minha mãe, me sinto filha também, prestando atenção nas pessoas, estudando seus trejeitos, tão interessada, quase invasiva.
Hoje, posso afirmar com certeza, que entendo um pouco mais tudo o que minha mãe foi e transmitiu para mim e para a vida.
Uma experiência emocionante, que me deixa de olhos e ouvidos curiosos, como uma criança que enfim reconhece a casa de onde veio.

segunda-feira, abril 11

Insônia, um terrível pesadelo!

Sofreguidão. A definição mais honesta para as horas atormentadas de uma noite insone, agitada, suada, desesperada.
A palavra insônia sempre me remeteu à consciência- mais especificamente à que pesa, como se os insones tivessem a obrigação de pagar com olhos secos e arregalados, suas penitências e dívidas.
Pela manhã, no fundo de enormes olheiras, enxergo a ignorância rindo de mim, apontando o indicador e se jogando para trás com enorme prazer.
Insônia também faz parceria coma solidão. E é possível passar um dia inteiro com os olhos em poças de água para não esquecer, ou ao menos, não menosprezar essa presença ilustre.
É fácil identificar essa companheira esfomeada, que devora o repouso, que bebe as energias que restam. Difícil é convidá-la a se retirar.
Insônia come a sensatez, o prumo, a vontade. E palita os dentes com a enfraquecida vontade de acordar com boa disposição.
E chega o amanhecer, levando a noite e as esperanças de um soninho gostoso. A aparência revela o caos vivido. O humor confirma, o corpo se arrasta.
A maior dúvida nesse momento é: Comprar um aspirador para juntar todos os cacos, ou uma mangueira para lavar tudo e levar para longe? Guardar os cacos para se reconhecer ou apostar que a próxima noite será de mais sorte?
É necessária uma ajuda, amiga ou não, profissional ou não. É imperioso descobrir como deixar o corpo e a consciência repousarem.
É vital uma noite de sono e um sonho muito bom para o dia e as ideias amanhecerem mais vivos.
Publicado em Conti Outra em 11/04/2016

sexta-feira, abril 8

A má vontade disfarçada

Puxa, que pena que as pessoas andam tão ocupadas… Que chato é querer muito matar umas saudades já crescidas e não conseguir por falta de tempo; não poder sentar em um banco de praça e comer pipoca; possuir o direito de escolha, os meios de realização, a razão para aconselhar, a intuição para confirmar, a emoção para empurrar, mas preferir dar a mão à má vontade e ainda colocar a culpa no tempo.
Um convite declinado é quase sempre uma oportunidade perdida. Vai saber o mundo que estaria aguardando se a resposta fosse outra.
Uma chamada recusada, salvos os momentos de real impossibilidade, deixa uma ponta de rudeza, apesar das desculpas sempre cheias de detalhes coloridos e interessantes.
O abre alas da má vontade é a falta de tempo. O tempo que colocamos na posição de um senhor controlador e austero, que só demonstra colaboração para as tarefas que precisamos realizar, mas total desprezo pelas coisas e pessoas que queremos acessar. O tempo, pela versão da dona má vontade, é um tirano. É ele que não deixa que vejamos os amigos, que tiremos uma tarde para fazer nada, que alcancemos o telefone para dizer tão e somente um: Oi, como você está?
O tempo faz isso com a gente, mas, e ao mesmo tempo, sempre ele, ele nos deixa interagir horas seguidas com o mesmo telefone, nos aplicativos que nos mostram para o mundo, ainda que nos mostrem quase sempre editados e melhorados. Nessa questão nem percebemos o passar do tempo.
A má vontade pensa que é má para o outro, para o que ouviu a recusa, a desculpa, a mentirinha branca.
Mas, uma vez desobrigada de fazer o que pensava não querer, ou que estava com preguiça, ou que não valia à pena, a má vontade tira o disfarce, pendura na cadeira e vai ficar sozinha novamente, talvez sonhando com outra má vontade ainda maior, que hoje lhe deu um cano.
E o tempo, esse senhor de atitudes controversas, vai fazendo o papel de escudo, protegendo quem pede para ser protegido, mas, e felizmente, oferecendo bastante tempo a quem não quer fazer o pacto com a má vontade.
Publicado em Conti Outra em 07/04/2016