quinta-feira, junho 30

E se, por princípios, eu não estiver deixando a vida acontecer?

Por princípios…

…não aceito isso ou aquilo, não me envolvo com certos temas, não opino em algumas discussões. Por princípios entendo que sou assim e dessa forma me sinto confortável.
Até que um dia os princípios me engessam, me paralisam a ponto de só conseguir balançar a cabeça, muito embora esteja gemendo para me expressar, defender meus argumentos, fazer diferença numa determinada questão. Mas, por princípios, não devo me contaminar.
É a hora em que a consciência se apresenta e me diz claramente que eu não sou um conjunto de princípios e comportamentos, que sou livre para escolher e atuar em qualquer tema que me provoque reação. A consciência manda os princípios se calarem, ou então, mudarem, crescerem, atuarem como meios.
As certezas que crescem com a gente também envelhecem, também precisam de atualizações e novas versões que suportem a vida atual. Se os princípios não se tornam flexíveis, tendem a enferrujar e literalmente estragar no canto das certezas tolas que acumulamos vida afora.

A consciência é sutil, muitas vezes tímida…

…mas ela nos diz claramente principalmente o que estamos deixando de fazer. E nesse momento, seguir seu conselho e arrebentar o cadeado de um princípio ultrapassado, é um enorme passo na direção do senso de justiça, que também nos presenteia o conforto de argumentos justos e fortes.
Certamente a intenção da consciência não é de se rebelar contra os princípios, mas sim de não aceitar o que não cabe mais, o que impede a clara visão das coisas, o que acovarda e trava a autonomia que todos devemos ter.
Princípios são o começo das certezas, as escolhas de regras que funcionaram em uma época. Se não forem reciclados, viram preconceitos, covardias, ofensas e humilhações. É importante que se tornem meios e eficientes para que possam se converter finalmente nos fins de uma vida livre e desimpedida de respostas prontas.
Publicado em Conti Outra em 29/06/2016.

terça-feira, junho 28

E e você se achando muito para mim

E eu achando que você pouco se enxerga, nada se situa e ainda menos sabe sobre a falta que não faz.
E você que me esnoba, faz todo o esforço que pode para nos classificar em andares diferentes na pirâmide, que mostra desconforto ao se misturar, que jura para os quatro ventos que antigamente não era assim, que as pessoas conheciam os seus lugares… Você realmente se acha muito para mim. Sim, muito antiquado, muito classista, muito besta, muito realeza. Você realmente é muito para mim. Muito dispensável.
E você então, que até sente algum afeto, que me concede a honra de sua amizade, mas que só me vê quando sobra tempo, ou quando posso ser útil, ou mais, quando precisa fazer quórum nas suas imperdíveis festas e reuniões. Você se acha muito para mim. E é, muito patético.
Você, meu antigo quase ex futuro amor. Eu quis, você não quis, mas não entristeço porque você não quis. Me dá um nó no estômago de concluir que você se achou muito para mim. Poderia até ser, mas o que é um muito quando vira um nada? Sorte para você! Vá ser muito por aí.
E para você que acorda e se acha muito para os mortais que vai encontrar pelo dia e pela vida, uma dica preciosa que vale ser considerada: Quem é você na fila do pão? Pense nisso, reflita, você é muito para seu espelho, seu ego, sua vaidade e pretensa casta. Mas, naquela hora difícil que você precisa de um suporte, um abraço, uma plateia, uma paquera para aumentar a auto- estima, e até uns trocados até o final do mês, invoque a pouca gentileza que tem e realize que quem está do outro lado não é mais o seu fiel espelho, mas sim outra pessoa, que embora e felizmente não se ache muito para ninguém, está satisfeita e convive feliz com o valor que conquistou.
E você, se achando muito para mim.


Publicado em Conti Outra em 28/06/2016.

segunda-feira, junho 20

Não sinto pena de mim, então, não ouse você

Se dar bem ou não pode ser questão de sorte, de inteligência, de carisma, do acaso, do encontro, do destino. Se dar mal pode ser questão de tudo isso também, ou nenhuma das alternativas anteriores. Não importa, é tudo parte do jogo. É tudo o jogo em si.
A reação mais aceitável deveria sempre ser a de modéstia perante o êxito e coragem no caso de uma derrota. Mas não é assim que conseguimos digerir e comunicar nossos feitos.
A vaidade sai a berrar e se insinuar para o orgulho já exacerbado. A festa parece não ter fim quando se vence uma etapa.
Mas, no lado oposto, atrás do pódio, bem lá para dentro das entranhas da vergonha, quando tudo dá errado, quem se apresenta esfomeada é a pena, de sobrenome piedade e apelido dó.
Sentir pena é tentar inutilmente se sentir triste pelo outro, ou pior, por si mesmo. É sentar e chorar, lamentar a vitória alheia só porque não foi a sua própria.
Quando as coisas dão para trás é o justo momento de invocar a sabedoria, por mais magra e fraca que ainda aparente. Só dessa forma ela se fortalece e vai aos poucos barrando a entrada da pena, que só lamenta, serve o drama em taça de cristal mas nada faz para de fato consolar.
Por essa e por outras que eu não sinto pena de mim. Não sinto quando acontece uma decepção. Não sinto quando me meto em causa perdida. Não sinto se for injustiçada. Não sinto nem quando sou eu a culpada.
Não sinto pena porque não me acho merecedora de lamentos. Prefiro me ver apta a novas chances. Troco a pena pela lição aprendida.
E por favor, se nem eu sinto pena de mim, se me encontrar numa situação passível desse sentimento, nem ouse! Se o fizer, sentirei pena de você!

terça-feira, junho 14

Um presente especial aos nossos filhos: A realidade

Minha filha está chegando nos 27 anos. Eu desejo que ela seja ainda mais feliz do que já é. Eu desejo que a asma dela não fique agressiva e a faça sofrer. Eu desejo a ela que as frustrações sejam toleráveis e os traumas não façam ninho. Desejo que ela trate o amor com carinho e a dor com respeito. Eu desejo que ela seja companheira e amiga da realidade da vida, com suas maravilhas e mazelas.
Minha filha nunca teve uma fantasia de princesa quando era criança. Na adolescência, comprou uma coroinha prateada e usou duas ou três vezes. Matou a vontade. Nunca mais quis a realeza por perto, preferiu a vida plebeia, ainda bem.
Eu fui mãe de uma criança que voltava da pracinha pronta para ser jogada na máquina de lavar. Não havia uma roupa sem a menor manchinha. Mas minha criança brincou, abraçou cães e gatos, voltou para casa com um carrapato atrás da orelha e o caso foi resolvido sem nenhum susto nem drama.
A diferença entre o mundo encantado e a realidade é mínima, é ridícula. Basta que saibamos cortar sem piedade os exageros que separam nossos filhos do mundo onde eles respiram e vivem.
O lúdico é encantador, o faz-de-conta é mágico, mas, como nos livros e filmes, tem hora para começar e acabar. A realidade vive em nós, nos nossos filhos inocentes, na relação que eles terão com o mundo.
Minha filha fez cara feia muitas vezes por eu não permitir que o mundo de mentira sentasse à mesa e jantasse conosco. Não sei se perdi a mão, posso ter perdido algumas vezes, confesso, mas sempre tentando fazer o certo e o justo.
Nunca consegui concluir qual é o melhor método para se educar um filho, mas, quase 27 anos depois, olho para ela, depois para mim, e então para nós duas, e sinto que consegui dar a ela um presente genuíno que não se encontra em um prateleira ou site de compras. A realidade. E ela é suave quando constato o caminho por onde minha cria passa.
Publicado em Conti Outra em 13/06/2016.

quinta-feira, junho 9

Feliz é o amor que deixa saudades

Porque aquele que recebe todos os dias as maiores orações para ser esquecido, este ainda carrega feridas abertas e uma boa dose de dor.
O amor que deixa saudades é o que já passou pela prova do desapego e do tempo. O que invoca somente os momentos felizes, que conseguiu perdoar e ser perdoado. Esse amor foi feliz enquanto foi amor. E depois pode ter virado amor de outro amor, mas se eternizou nas lembranças e no tempo.
Enquanto a gente se esforça para banir um amor, nada é saudade e toda memória é sacrifício. Esse amor entra na conta do “não valeu”, como nos jogos de criança.
Sem saudade nenhum amor foi de verdade. O esforço que vale não é o de esquecer, de repelir lembranças nem distorcer o tempo passado. O esforço que vale é analisar, torcer e espremer até entender que não foi um amor. Caso contrário, deixaria as saudades. Seria digno de um momento de lembrança, um risinho no canto da boca, um cheiro, um sabor, um calor.
A morte leva os amores mas deixa as saudades. A vida faz o mesmo. A diferença entre as duas é a nossa participação. Enquanto a primeira dispensa, esta outra vai deixando a gente escolher e ser escolhido. Pegar e largar. Manter ou perder.
Mas se por um mínimo instante da vida o amor esteve presente, a saudade vai confirmar um dia.
Saudade não dói. O que dói é a ideia da separação de um amor. Mas tantas vezes é preciso… tantas outras é inevitável…
A saudade aparece para nos da enorme capacidade de amar, dos momentos mais vividos, ainda valendo ou não na contagem, mas preservados, etiquetados e arquivados, ao alcance das mãos da saudade. E quando ela puxa um deles, nos mostra satisfeita que foi um amor feliz.
Publicado em Conti Outra em 09/06/2016.

domingo, junho 5

Onde mora o amor?

Pergunta fácil? Responda você…
Se o amor mora nos sonhos e devaneios, as vertigens podem ser intensas.
Se se aloja no desejo de sempre agradar e nunca decepcionar, já nasceu fadado a perder o desafio.
Se escolheu viver à sombra de outro amor, recolhendo sobras e raras oportunidades, viverá mendigando o mínimo para não perecer.
Se nenhuma outra alternativa lhe restou a não ser viver escondido, platônico, camuflado, então nem de amor poderá ser chamado, já que lhe falta coragem para assinar seu nome no coração de outro amor, temendo a rejeição que jamais saberá o poder que exerceu.
O amor não pode morar em locais sombrios. O amor não cabe em becos sem saída, em servidões que não levam a lugar algum. Um movimento em falso e já se perdeu o amor.
O amor precisa de claridade, de espaço, de muito ar, de perfume, de portas abertas, janelas escancaradas, caminhos e trilhas, curvas e ladeiras, uma cadeirinha de balanço na entrada.
O amor que mora dentro de corações corajosos, encontra facilmente as luzes para seguir caminho. Se uma porta lhe é fechada, ele segue adiante e não se detém tentando forçar passagem onde não é bem-vindo.
O amor generoso mora em vários lugares e deixa um pouco de si por onde pousa. É o amor de quem deixa saudades.
A moradia do amor é onde ele guarda seus pertences, seus desejos e anseios. O amor que mora sozinho, acaba por se tornar egoísta e cheio de manias. Já mostra dificuldades em compartilhar a casa e as emoções.
O amor da gente sempre escolhe um lugar para morar, e, mesmo que vá mudando e se adaptando ao longo da vida, é importante nunca perde-lo de vista, saber seu endereço, e lembrá-lo sempre e sempre de que vez ou outra não há mal algum em passar um tempinho na casa onde nasceu, só para descansar, se curar, ou planejar a próxima viagem.

quarta-feira, junho 1

As montanhas não são grandes, nós é que somos muito pequenos!

A linha do horizonte nos convida à sensação de infinito, a ilusão do mar sem fim, da grandiosidade e terra que jamais conheceremos. Como visão romântica, é perfeita, talvez a melhor delas.
Mas até a linha do infinito esbarra em uma porção de terra em algum momento. As distâncias podem ser imensas, mas alcançáveis e sujeitas à nossa conquista.
Somos pequenos diante de tanta matéria, por isso achamos tudo enorme e fabuloso. Nos assustamos com nossa fragilidade, e inventamos maneiras de nos fortalecer e superar as dificuldades.
Conquistamos montanhas, atravessamos mares, suportamos frio e tempestades, mas ainda não inventamos uma maneira de crescer perante as dificuldades da vida, as que não envolvem pedras nem marés, mas sim aquelas de efeito mais destruidor e poder de fogo mais envolvente e danoso.
Somos pequenos para pedir perdão, menores ainda para perdoar.
Somos mínimos para guardar um passado com lembranças enormes, então passamos a vida expelindo os efeitos desse passado nos outros, queiram eles ou não.
Somos enormes para julgar, monstruosos para condenar, inabaláveis para reconsiderar, inalcançáveis para nos retratar.
E as montanhas que são grandes? Pedras, somente pedras, alheias à nossa vaidade, seguem formando muralhas e desfiladeiros, mas sempre permitindo serem conquistadas.
Ah, se a sensação de fazer as pazes com alguém afastado trouxesse a mesma adrenalina de uma escalada ou da velocidade de um barca rasgando as ondas. Somos pequenos porque não sabemos o que é realmente grande na vida.
A linha do horizonte é realmente gigante, se buscamos as respostas para as questões que nos afligem no final dela.
As montanhas são intransponíveis se as encararmos somente na cara e na coragem.
Mas para tudo há meios e métodos. Até mesmo para as almas raquíticas e mal alimentadas de amor e compreensão.
As montanhas não são tão grandes assim, nós é que somos pequenos demais…

Publicado em Conti Outra em 01/06/2016