sábado, novembro 28

Sou dessas!

Sou dessas que vivem em eterna esperança, que teimam em acreditar na sinceridade e torcem por inícios, meios e finais felizes.
Sou dessas que já erraram nas escolhas, que já se deixaram escolher sem nenhum critério, que calaram a voz quando deveriam gritar e falaram em momento inadequado.
Sou dessas que não querem sair do refúgio, mas quando saem, não querem voltar antes do amanhecer, não querem que a festa acabe.
Sou dessas que sentem medos infantis embora os enfrentem com coragem e bravura. Que não enxergam o óbvio mas captam sutilezas. Que são movidas por certezas delicadas e dúvidas grosseiras. Sou das que raramente atravessam as fases da vida com passos confiantes, mas que também se negam a estacionar em tristezas e frustrações.
Sou dessas que dizem: – Eu também não queria mesmo! E seguem em frente, olhando para trás de vez em quando, até que não seja mais preciso olhar nem lamentar nem sequer lembrar.
E sou também das que pedem desculpas como criança, que escrevem cartas, que refazem as cenas, lembram das palavras ditas, guardam momentos como tesouros.
Sou dessas que martelam seus pregos para pendurar ilusões e memórias e da mesma forma arrancam sem dó, da parede e da vida , manchas, riscos e cenas amareladas.
Sou dessas que num dia acordam vaidosas, e querem estar impecáveis em qualquer situação, e, logo no dia seguinte, perdem a paciência e saem de havaianas,  cabelo preso e rosto lavado.
Sou dessas como tantas outras, que vivem buscando o equilíbrio de uma vida saudável, aceitável, agradável, e, quando possível, emocionalmente estável.
Sou dessas que estão na luta,  que se recusam a entregar seus direitos sob qualquer alegação ou coação ou emoção.
Sou dessas, e só o que quero é ser reconhecida como única, embora seja muitas e nem tão diferente de todas.
Publicado em Conti Outra em 28/11/2015

quinta-feira, novembro 26

A vida que eu quero ter!

A vida que eu quero ter passa bem longe do furor do dia-a-dia,  segue por uma estradinha onde não cabe tanta ambição nem tem as curvas dos humores.
A vida que eu quero ter não deve começar no final da vida, quando tudo estiver no seu lugar, já que não há lugar certo para nada, nem garantias ou certezas.
A vida que eu quero ter não se encaixa com tudo o que desejo comprar, com tudo o que preciso conquistar, com uma fração do que eu já consumi.
A vida que eu quero ter não combina com tanto barulho – dentro e fora de minha cabeça –  não depende da  cor do meu esmalte, não acaba nos limites do meu território.
A vida que eu quero ter não é a vida que eu acho que preciso ter, para acompanhar o fluxo, para me inserir no contexto, para garantir presença nos acontecimentos.
A vida que eu quero ter é aquela vida que me vem aos pensamentos quando fecho os olhos, aquela vida que me convida a dar menos valor aos consumos e mais importância às conversas e às risadas.
A vida que eu quero ter me diz todos os dias que mais um dia já se foi e eu o usei com a vida que eu acho que preciso ter, matando leões e esquecendo de olhar para o céu.
A vida que eu tenho hoje anda em conflito com a vida que eu quero ter, pois desapego é uma coisa difícil de empreender. A vida que eu tenho hoje já me permite não ver televisão, mas ainda não me deixou desligar o telefone para ouvir o barulho do mar.
A vida que eu acho que preciso ter me cobra a cada hora mais um conquista. Me castiga e submete, provocando comparações e competições.
A vida que eu quero ter me diz que eu só preciso pagar minhas contas e ter tempo. Tempo para viver. Juntar apenas forças, cultivar saúde e equilíbrio, prestar mais atenção na brisa do que nas buzinas.
A vida que eu quero ter não engana e já me avisa que haverá dores, mas,  ao mesmo tempo me alerta que, quando se vive a vida escolhida, até as dores são mais legítimas e se vão com o passar da vida.
Um brinde à vida!

terça-feira, novembro 24

Nem tão cigarra, nem tão formiga. A dose certa para desfrutar!

Estava aqui pensando numa forma de amenizar a carga dessas protagonistas da fábula, já que, embora tendo êxito, a formiga se matava de trabalhar, e, durante um período grande, era só que fazia.
E um monte de nós faz exatamente do mesmo jeito, prevendo os mais tenebrosos futuros, catástrofes e apocalipses que nunca virão.
É preciso dosar. Nosso passado dá um tom para o nosso futuro, mas não pode ser o comandante deste barco. Quem de nós nunca passou um sufoco, temendo um amanhã incerto, aquela noite de angústias por não ter no que se agarrar? Isso é horrível e quem dera pudéssemos pular essa parte, ou ao menos esquecer. Mas a vida não se resume somente a prevermos os momentos mais duros e estocarmos incessantemente o que julgamos ser vital para sobreviver.
Se for para pensar dessa forma, aí vai uma reflexão: Numa situação extrema, quem de nós conseguirá se fechar junto com suas conquistas e deixar um irmão, um amigo, um semelhante seu desprovido do essencial? De que adianta ser uma formiga egoísta, se for para passar o inverno condenada à solidão e à mesquinharia?
E a cigarra? A pobre infeliz que provavelmente cantava e cantava para espantar seus medos, para não demonstrar que quase nenhuma habilidade tinha, a não ser cantar? É certo que ela nem tentou, como muitas vezes nós fazemos. Se há alguém fazendo por nós, por que não sair e cantar?
Eu não gosto de ser formiga, embora me identifique mais com ela. Tampouco me agradaria ser cigarra, pois em pouco tempo o tédio me mataria.
Na minha fábula pessoal, sempre que eu estiver muito formiga, que me cutuque uma cigarra, que me convide a cantar.
E, naquela fase cigarra, indolente e preguiçosa, que apareça uma formiga e me tire da inércia, do eterno e etéreo desfrute, que me convide a construir algo comum.
E que isso seja recíproco, de modo que a “moral da estória”, seja uma troca interessante de valores e vivências. Quando não nos completamos, não desfrutamos.

Meu mundo por um elogio!

Quem não gosta de um elogio, de reconhecimento, de um bom destaque? É uma sensação deliciosa, não se deve negar.
Mas, esse é um terreno perigoso que pode embriagar e viciar, principalmente se não soubermos reconhecer por nós mesmos o valor de nossas qualidades,  seja lá por qual razão, pois que são diversas e nos espreitam por todos os cantos, tentando entrar: inseguranças, comparações, concorrências, competições, vaidades, rejeições e toda a sorte de aniquiladores do reconhecimento genuíno.
Somos legítimos quando reconhecemos, ou pelo menos desconfiamos de nossas qualidades e defeitos. Somos imperfeitos e também livres, porque é pública e acessível a nossa lista de prós e contras.
Somos forjados quando queremos e precisamos viver somente de elogios e falsas afirmações, quando lutamos por espaços que não nos pertencem, quando somos vaidosos a ponto de anular o outro somente para garantir um destaque e fama.
Essa é uma via do perigo, e ainda existe outra, da qual podemos nem nos dar conta, que é a manipulação que sofremos para obter os louros que tanto queremos. Nos vendemos, muitas vezes nos liquidamos, e quem compra, por tão pouco, também pouco valor nos atribui. Pinta o cenário com as cores que sonhamos mas nos manipula como bem desejar. Nos alimenta o ego e mata de fome a alma. E tudo por uma afirmação externa, a mesma que não somos capazes de sustentar sozinhos.
  • Você vai sair desse jeito? Não deveria se arrumar um pouco mais?
  • Preciso repetir o que acabei de falar? Como você não entende? Perdeu a inteligência?
  • Seu trabalho poderia ser melhor!
  • Sua comida não me agrada, seu perfume me enjoa, seu andar é esquisito…
Exemplos… alguns… o suficiente para muita gente se descaracterizar por completo e lutar desesperadamente para ser o padrão do outro, para obter os elogios de que tanto precisa e se sentir pertencendo a alguma coisa. Coisa alguma.
Mas como nada a ferro e fogo se justifica, muitas criticas são justas e devem ser aproveitadas.  Já outras, as nocivas,  talvez seja melhor ficar com elas como experiência e mandar para longe quem as fez, assim como os elogios vazios.
Em todos os casos, é preferível sempre um reconhecimento duro do que um elogio frívolo. Não é preciso, não é necessário, não é vantagem, não alimenta.
Na dúvida,  seja gentil. Não elogie à toa, não critique sem razão.

quinta-feira, novembro 19

Se estiver sem rumo, siga o sol

Quantas vezes a vida dá voltas e piruetas, e, de uma hora para outra, ficamos sem opções, ou, no melhor dos cenários, não queremos aderir às opções disponíveis.
Podemos não aceitar, mas somos movidos por costumes bem enraizados, e ao menor sinal de desvio dos padrões, perdemos a rota, ficamos perdidos, simplesmente não conseguimos vislumbrar um caminho.
E, desorganizados, tendemos sempre a correr para o pessimismo, para o derrotismo. Nos apegamos à ideia de perambular pelo pior cenário para evitar decepções ou falsas ilusões. – Se não for desse jeito, ao menos a surpresa será boa. Isso é o que normalmente dizemos, mas sem nos dar conta do tempo e energia que perdemos, das opções encantadoras que descartamos, da luz que bloqueamos, da vida que congelamos.
Saímos da rota mas ainda estamos na estrada, e o movimento é grande, vem gente atrás, tem gente junto e adiante também. E tem gente seguindo a gente.
Portanto, nessa hora, se você estiver sem rumo, procure o sol. Siga seu calor, sua luz, seu poder de transformar humores, afastar depressões, gerar vida.
Vá ao encontro de quem representa o sol na sua vida. Se aninhe, se aqueça, se inspire, se fortaleça. Encontre seu rumo e siga, na rota do sol.

terça-feira, novembro 17

O mundo que a gente não quer

A bestialidade humana  é a maior das tragédias. Comete-se toda a sorte de crimes e atrocidades em nome de uma justiça particular, de vingança, cobiça, afirmação, religião, poder.
Todas as expressões de covardia são desprezíveis, indignas, abomináveis.
Mas, é preciso te cuidado ao falar, ao externar decepção, revolta, desapontamento diante dos fatos. O mundo que a gente não quer é o mesmo mundo que deixamos a nossa contribuição.
É preciso cuidado com a parte que nos cabe, mesmo sendo ela uma mínima fração, ao primeiro olhar desatento.
É preciso cuidado até para falar da dor que a gente não entende, não sabe a magnitude, não tem a sensação na própria pele, não sabe como se formou.
As manchetes angustiam a nossa alma, a dor cresce e aperta os sentidos. Viver entre covardes que, entre irresponsabilidades, crenças, culpas e libertações, colocam as outras vidas na condição de abate e descarte, é insuportável, é sofrido, dolorido, massacrante.
Como lidar com isso? Qual é o nosso posicionamento diante de tudo que nos chega? Tenhamos cuidado, pois expressões pública de repúdio não nos exime de uma responsabilidade que é muito maior. Se é para lidar com isso, é preciso muito mais do que aderir aos movimentos de cores e bandeiras.
É imperativo tomar um pouco do tempo para explicar aos filhos, contar-lhes o que sabemos, amainar os sentimentos de ódio e desesperança que nos invadem.
Não podemos correr o risco de sermos engajados nas redes sociais e alienados na vida, fazendo as catarses para o público e logo após nos distraindo, e, voltando indolentes aos pequenos e individuais interesses.
O mundo que a gente não quer é recheado de injustiças, mas também, e arrisco dizer que até mais, de solidariedade, de boa vontade, de iniciativas positivas, de dedicação e altruísmo. E que isso seja um apelo maior do que as dores que as notícias nos mostram em sequências de horrores. E esse é o mundo que a gente quer, mas não consegue sequer enxergar.
O mundo que a gente não quer é um punhado de ganância e ignorância.
Não sejamos portanto, propagadores dessa publicidade negativa. Se não pudermos ser agentes da transformação, que também não façamos o papel de mensageiros da morte e da dor.

sexta-feira, novembro 13

Faça juras de amor a você!

Declare-se apaixonadamente. Ame intensamente suas virtudes. Seja paciente com seus defeitos.
Quando feliz, irradie alegria, abra os braços, dê risadas sonoras,  e, na tristeza, se cuide com carinho, cm um chocolatinho, um chá, um livro, bons amigos.

Prometa não se afastar da boa saúde,  nem se entregar a qualquer doença sem lutar. Seja um sentinela a postos em favor do seu bem estar.

Desfrute das boas companhias até não poder mais.  Delicie-se, aconchegue-se, peça colo, ofereça o seu também.

Não entregue suas fragilidades sob qualquer juramento ou promessas. Seja de confiança, confie nos seus julgamentos.  Aposte nos seus palpites, confie no seu bom senso.

Não permita que violem seu caráter nem seus critérios a não ser por sua vontade. Não se venda, não se liquide, não ponha preço, não pague qualquer preço para ser quem você não é. Ame-se de graça e com gosto!

Ignore julgamentos e críticas maliciosas. O mundo está cheio de juízes e conselheiros que não valem uma réplica. Devolva as ingratidões para o lugar de onde elas vieram, as espertezas, as vantagens aos que não vivem sem elas. Proteja-se das ilusões e principalmente dos ilusionistas.

Permita-se todos os dias um pequeno agrado. Uns minutos a mais no banho quente, uma mensagem para alguém bacana, um doce,  uma passadinha na papelaria, um cinema no meio do dia.

Trabalhe de forma que o resultado seja admirável e o descanso, proveitoso.

Se convide para passear, para rodar o mundo, ainda que seja uma volta no quarteirão. Viva por inteiro,  guarde o suficiente para realizar seus sonhos, não pague o preço do tédio nem da preguiça.

Não se afaste de si, jamais queira ser outra pessoa ou ter ao lado alguém para fazer as juras que você ainda não fez a si.  
Não dispense afetos verdadeiros, mas não dê a eles a sua responsabilidade de ser feliz com o que tem no dia de hoje.

Faça juras de amor a si e torne legítima a sua relação de amor com a vida.


A troca de alianças com o mundo lá fora será mais leve e fácil de escolher e  entender.

Ser querido não é ser útil!

Ser querido é café quente com bolo. Ser útil é pílula de suplemento.
Ser querido é dia de sol com ventinho leve. Ser útil é protetor solar e repelente.
Ser querido é abraço apertado. Ser útil é capa de chuva.
Ser querido é ser aguardado, ter a presença desejada, ser incluído nos sonhos, nos planos, na vida.
Ser útil é ser indispensável pelas qualidades e especialidades.
Ser querido é ser amado apesar dos odiosos e repugnantes defeitos, ser compreendido, reconfortado, protegido, repreendido, o que for preciso.
Ser útil é ser dispensável quando a utilidade findar…
Todo mundo é querido de alguém, todo mundo é útil para alguém, os ambos, ou nenhum. Perceber a diferença é essencial para saber que papel figuramos nas vidas que tocamos ou que nos tocam.
Para alguns, preciso ser apenas útil. E quero o pagamento e a recompensa por isso.
Para outros, quero ser querida, como os quero bem também.
O que não quero, é ser útil para me sentir querida. Não quero me tornar indispensável para ter a ilusão de que sou muito querida. Ser querido é bem diferente de ser útil.
Jamais me conformarei em ser uma panela  aderente com excelentes qualidades e diferenciais! A panela é útil!
Eu? Eu quero ser motivo de doces lembranças, afeto, saudades e grandes planos para a vida!

terça-feira, novembro 10

Desvie sempre das pessoas bélicas!

Sabe aquela pessoa que, ao invés de ser reconhecida por alguma virtude, é conhecida e temida por seu “pavio curto”?  De repente ela acha isso o máximo, se vangloria e se admira por estar sempre alerta e pronta para uma acalorada discussão. Pessoas como essa, já acordam caçando briga, não sossegam enquanto suas jugulares não saltam, nem tampouco enquanto seus hipotéticos inimigos não são vencidos. Se houver reconhecimento de razão então, é a glória!
Pessoas bélicas, que vivem montadas em seus canhões, atirando para quem ousar contrariar. Pessoas que roubam a espontaneidade alheia, que promovem o desconforto e mal estar, que brigam por razões ridículas, roubam o direito de resposta dos outros, atacam, ofendem, agridem…
Se não vamos conseguir mudar uma pessoa dessas, já que ninguém muda ninguém, muito menos um bélico,  como fazer para minimamente conviver e escapar dos tiros e estilhaços? Como reagir diante de uma criatura que vocifera ao invés de argumentar, que lança xingamentos, que gesticula de forma intimidadora, que defende suas opiniões com tirania?
Correr para as montanhas não é uma opção, então, se a gente tantas vezes precisa conviver com essas soldados da ira, meu palpite é que evitemos ser alvo fácil, como os patinhos no parque de diversão. O melhor é se mexer, não se esconder, ao contrário, aparecer, mas sem motivação alguma para uma discussão. Se você não quer briga, não haverá briga. Nada te tira do sério quando você sabe que não vale a pena sair do sério. Deixe o briguento brigar, deixe gritar, deixe que ele ouça a sua própria voz, sozinha no ambiente; Não retribua com nada, nem mesmo um sorriso. A indiferença é um escudo inabalável para casos como esse. O ser bélico quer vitórias e honras. Mas se não há com quem lutar, ele vira um personagem, uma caricatura, um show man procurando o seu público.
A vida já é por demais cheia de batalhas e dificuldades para que tenhamos tempo e disposição para ser saco de pancadas alheio. Saiamos pois, da reta e do campo de visão dos franco atiradores. Há muito mais gente no mundo com vontade de trocar gentilezas, do que começar a terceira guerra mundial. Paz!

segunda-feira, novembro 9

Você sabe quem anda ao seu lado?

Quando você esvazia a carteira, retira os acessórios, cala as frases de efeito, apaga os sorrisos diplomáticos, quem está ao seu lado? O que sobra para você? Quem afinal é você?
Isso não é uma provocação, nem sequer uma afirmação de que sem o verniz social não sobra nada. É sobre justamente o oposto. Quem somos quando não precisamos provar nada a ninguém?
Uma pergunta daquelas que só se responde a si mesmo, a mais ninguém.
Mas necessária. Vital. Precisamos saber com quem andamos fazendo tratos na vida, precisamos avaliar de quem realmente precisamos por perto, quem faz nosso coração bater mais rápido mesmo sem celebrações ou conquistas, apenas por puro afeto.
Quando retiramos a maquiagem, vemos as imperfeições que tentamos esconder, reconhecemos nosso rosto original, aceitamos que ao natural somos a pessoa que vemos no espelho e nenhuma outra mais. Assim é a nossa vida, que inúmeras vezes retira a nossa pintura, nos deixa tão descoloridos, quase nada…
E quando nossa alma está nua, quando passamos pelas mais difíceis fases da vida, quando o sol não entra na nossa janela, quem somos para nós mesmos e para quem cultivamos uma vida de relações? Quem estaria ao nosso lado, quem nos ofereceria um abraço para abrigar, o ombro para chorar, o tempo, os recursos, a alegria para dividir?
É importante fazer uma análise antes de proferir acusações e lástimas, pois, sejam quem forem os nossos afetos e as expectativas que colocamos neles, lembremos sempre que nós os escolhemos e nos ligamos a eles pelo que achamos importante no momento. E se o importante hoje não for o bastante, é porque eles não conseguem reconhecer quem somos quando não somos nada, quando estamos sem maquiagem.

Barbosa, o boêmio irresistível!

E lá estávamos nós, ouvindo uma música boa, comendo igualmente bem, tomando uma sangria duvidosa, e, só para rimar, eis que aparece Barbosa!
Barbosa chegou gingando, com sua camiseta de praia, chapeuzinho de malandro e muita cerveja na alma, pronto para causar! Minha amiga-irmã que de antipática não tem nada, já estava estampando seu melhor sorriso, embora sem noção do que a esperava. 
Barbosa se instalou ao seu lado e queria conversar, queria ficar juntinho, falar dele, do quando era apaixonado pela cidade, de como levava bem a vida, e que vida boa, segundo ele! 
Barbosa, no alto dos seus oitenta e tantos, calculo eu, era realmente assanhadinho, e mesmo depois de uns passa-fora, continuava por perto, voando como uma mosca de padaria, sempre atento, tentando fazer seu olhar cruzar com alguma canditada. Nem precisava ser uma de nós. Barbosa parecia decidido a não passar a noite sozinho. 
E nós naquela mesa, apesar de nos intitularmos mulheres independentes e tudo mais, não queríamos arredar o pé, com medo de Barbosa voltar e investir novamente com todo o seu charme e malícia. O pessoal da mesa de trás ria até não poder mais, da nossa saia justa. 
Barbosa me deu uma bronca porque eu não largava o celular. 
- Escuta aí, você vai ficar usando esse negócio o tempo todo?
- Vou sim. (seca e nada simpática, estratégia para afastar Barbosa).
Mas ele não saiu. E repetia como era apaixonado pela cidade, como gostava da noite, como era feliz, como minha amiga precisava conhecer Salvador. Barbosa é baiano, mas um dos mais rapidinhos que já ví. Foi logo listando para minha amiga a sua vida de aposentado do serviço público, e que vivia muito bem, tinha uma casa no Morro de São Paulo e por aí vai, porque vantagem, quando a gente quer, não acaba nunca. 
Por fim, Barbosa, depois de saracotear pelo salão inteiro, dançar com uma e com outra, beber mais umas tantas e sorrir até para as pilastras, não se conteve e voltou à nossa mesa. Direto e sincero, ele disparou para a minha já não tão sorridente amiga:
- Eu me apaixonei por você. Você é encantadora! 
Ela mais que depressa pediu a conta e saímos antes do show acabar. Ah, Barbosa,mas cá para nós, eu acho que ela te correspondeu, só ficou meio tímida. Aguarde, voltaremos!

quinta-feira, novembro 5

Passional, racional, emocional. Respeitadas as proporções, a mistura fica sensacional!

Num mundo onde todo mundo anseia por respostas, os rótulos e carimbos são praticamente impossíveis de dispensar. Nós nomeamos e somos nomeados o tempo inteiro. Para explicar uma decepção, geralmente fazemos uma longa lista de características de quem nos decepcionou. E isso explica tudo… Na verdade não explica coisa alguma, mas, de certa forma nos dá suporte para aceitarmos e explicarmos ao mundo que pede respostas incessantemente.
Certa vez assisti a uma discussão boba, mas que me vem à cabeça até hoje, pois foram usadas três denominações numa mesma conversa e, naquela hora, enquanto a coisa esquentava, eu pensava: Adoraria saber que proporção dessas características torna uma pessoa mais interessante. O motivo, como eu disse, era tolo, e, em algum momento alguém disse: – Você é muito passional, estamos falando de negócios, você precisa ter auto controle! No que outro alguém respondeu, já em lágrimas: – E você é tão racional que não consegue enxergar o quanto eu sou emocional, o quanto me magoa e me faz sofrer!  E por aí foi, até que os ânimos se aquietaram e passional, racional e emocional se calaram e, ao final, se entenderam e desculparam.
Quem de nós afinal, carrega somente uma dessas características? Quais delas estão escondidas, guardadas, esperando o momento (in)certo para vir à tona?
De fato, somos uma mistura esquisita, inconstante e instigante disso tudo.
Há épocas da vida em que simplesmente estamos mais para um dos lados, por vontade, necessidade ou apenas por questões de sobrevivência. Logo em seguida podemos mudar, agregar outro, apresentar o terceiro, ou tantos mais. O que realmente importa é o nosso esforço para mantermos a proporção que nos parece mais interessante, que nos deixa mais despertos para a vida, mais confortáveis para lidar com os traços passionais, racionais e emocionais alheios. E eu arriscaria dizer que essa mistura, dos nossos com os alheios, é que torna tudo mais encantador! Só precisamos aprender a dar tempo e espaço para as diferenças.

quarta-feira, novembro 4

A tirania do hábito e a liberdade para as borboletas

É difícil viver à revelia, sem algumas regras, horários, repetições? Sim, extremamente difícil. A gente se perde fácil, se desorganiza, se atropela, esquece prioridades e viaja nas “desnecessariedades”. Isso porque não há um norte, nada para guiar nem contestar nem nos frear.
Todo mundo precisa de um mínimo de orientação para o dia, para a casa, o trabalho, para a vida. E esse mínimo é particular, cada qual sabe do seu.
Pouco adianta levantar as bandeiras da liberdade integral e querer a todo custo se libertar de horários e convenções, porque definitivamente não funciona. E não funciona de cara, naquele momento em que você sai de casa e vai comprar o pão, mas a padaria está fechada porque o padeiro resolveu ter o mesmo direito que o seu, à liberdade de só fazer o que bem entender. Há regras a seguir, melhor que joguemos a favor delas.
Tenho uma amiga que vez por outra tira um dia e o chama de: liberdade para as borboletas. E ela nem telefone atende. É encantadora a maneira como ela cultiva esse dia, curtindo tudo o que quer fazer, passeando, comendo em lugares diferentes, conversando com as pessoas… ela realmente consegue a mágica de se desligar do hábito e entrar no mundo das borboletas. O problema é sair dele, mas isso já é outro assunto.
Já eu, sou escrava do hábito, assumida, chateada por nem poder contestar o título que carrego. Sou totalmente ligada em horários, não atraso nunca, faço o dia render ao máximo e descompenso quando algo me tira da rotina. Bom para mim? Não, bom para o meu trabalho, bom para quem me aguarda pois não os faço esperar, bom para a organização da casa em que vivo, bom para meus gatos que estão sempre bem atendidos, mas… é muito hábito para pouca vida, é muita produção para pouca diversão, muito resultado para pouca paixão.

O hábito é um tirano. Ele pega uma pessoa e a transforma em máquina. Maquina de fazer repetições. O hábito é um bruxo. Ele transforma as tarefas em desafios, o tempo em inimigo, as pausas em culpa, os anseios em frescura.

O hábito coloca a gente dentro da roda de um hamster e continua a dizer: – Faça tudo da mesma maneira, ou a roda parará e você não saberá mais como agir.
Por tempos eu acreditei nisso, mas agora, mais velha, vejo-me apegar um pouquinho mais pela teoria das “borboletas” de minha amiga. Neste momento, estou tentando fazer um acordo com o tirano. Cumpro o necessário e ele me libera para curtir o inesperado!

segunda-feira, novembro 2

Solte as cordas que os manipuladores amarraram em você

Vivemos presos a tantas coisas e pessoas, que nem nos damos conta do quanto estamos tolhidos e amarrados, andando aos passinhos curtos e lentos, presos às cordinhas, muitas vezes frágeis, mas muito bem amarradas.
Em família sempre há um expoente, que muito embora se pareça com um líder, pode também ser um manipulador ditando comportamentos, costumes, rotinas e até emoções. Para se livrar dessa corda não é preciso romper, apenas afrouxar, manter um espaço aceitável para todos.
No trabalho, é muito comum a ação dos manipuladores. Muitas vezes com jeitinho, agrados e elogios, e lá estamos nós, obedecendo cegamente, fazendo o que sequer avaliamos se queremos ou se devemos, porque mais uma vez nos deixamos amarrar.
Nos relacionamentos… as chantagens, a tirania, a manipulação da autoestima, do ego, a imposição, o medo, a falta de respeito…
As notícias, os vícios, as manias, a moda, a tecnologia, a necessidade de inserção, de aceitação, de pertencimento, tudo pode nos levar a estender os braços e dizer: amarre-me, manipule-me, me coloque em uma forma e só me tire quando eu estiver completamente moldado. Se assim escolhermos, assim será.
Por tudo isso, quando tomamos consciência das incontáveis cordas que nos enredam, da teia em que nos permitimos colocar e dos movimentos obtusos que fazemos por não sabermos mais como nos colocar em equilíbrio por nossos próprios pés, desejamos romper, rasgar, cortar as cordas com os próprios dentes se preciso for. O perigo de fazermos isso num ímpeto é descobrirmos que não sabemos mais ficar de pé sem as amarras.
Clarisse Lispector em uma carta à sua secretaria, Olga, escreveu: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso – nunca se sabe qual o defeito que sustenta o nosso edifício inteiro.”
Assim, também nós, tenhamos cuidado ao cortar as cordas que nos prendem e sufocam a liberdade de pensar, agir, decidir, escolher, viver.
Sejamos delicados, como nos jogos de equilibrio. Uma decisão após a outra, uma conquista, nova avaliação, mais uma tentativa, e vamos, pouco a pouco, soltando amarras de uma vida inteira, deixando de crer no manipulador de qualquer natureza, tirando-lhe todas as permissões, permitindo-se enfim, governar a própria vida.